Apesar dos espaços escancarados de
sítio espacial, Brasília está perdendo a feição de cidade-fantasma, onde não
acontece nada nas ruas, nas entrequadras e nos centros comerciais. Já tivemos
ondas de ocupação nos anos 1980, com o projeto Cabeças, com o Cinema Voador e
com os shows de rock em esquema de guerrilha.
Mas, agora, uma nova geração invade as ruas para fazer atividades
culturais. Rock na ciclovia, Forró de Vitrola, Cinema ao ar livre, Batalá (no
estacionamento do Parque da Cidade), Samba na Rua (na Vila Planalto), Chorinho
(na Vila Telebrasília), Samba da Mutamba (no Setor Comercial Sul) e o movimento
Dulcina Vive são algumas das iniciativas.
O caso do Samba da Mutamba é interessante. Caio Dutra, o idealizador do
projeto, acompanhava o pai ao Setor Comercial Sul, nos tempos de criança, e
estabeleceu laços afetivos com aquele espaço tão estigmatizado: “O meu coração
não tem hora de dormir. O seu também. Por que o coração da cidade tem de
parar?”, costuma dizer Caio.
Durante o dia, o SCS é fervilhante de movimento. Mas, depois das 19h, a
área fica triste, mergulhada nas sombras, desértica e perigosa. Caio
estabeleceu uma estratégia de ocupação. Primeiro, organizou algumas festas para
atrair os frequentadores da região. Ali, é o centro da cidade, é o lugar mais
movimentado, fica perto dos hotéis. Não pode ser jogado para a marginalidade. A partir de conversas com as pessoas da região,
Caio levantou a preocupação em atender a demanda dos moradores da região.
Estabeleceu a parceria com uma loja de vestuário e
criou uma feira colaborativa, um varal de roupas para quem necessitasse. No
caso, o projeto tem uma estrutura empreendedora profissional. Tudo é bancado
pelo Coletivo Mobiliário Mutamba, que produz móveis com pallets, madeiras de
caixotes para transporte de mercadorias. O projeto dá emprego e mobiliza a
comunidade de Santa Maria.
Nascido da iniciativa dos alunos da Faculdade Dulcina, o movimento
Dulcina Vive se espraiou por todo o Conic. Parece que estão ocorrendo problemas
com a administração do conjunto. Mas o fato é que, em quase todos os lugares
onde chega a cultura, ela se torna um instrumento de civilidade, de pacificação
e de presença do poder público.
Em São Paulo, a revitalização da Praça Roosevelt, no centro da cidade,
ocorreu graças à ocupação e à concentração de uma série de grupos de teatros. O
espaço estava degradado pelo crack, pela violência, pelo descaso do poder
público. Com os teatros, vieram o público, o pipoqueiro, os donos de sebos de
livros, os cafés, a iluminação e a polícia para garantir a segurança. O caso do
Conic é muito mais tranquilo do que o da Praça Roosevelt.
Toda essa energia de ocupação cultural não pode ser desperdiçada. Ela é
um sinal de vitalidade, precisa ser estimulada e viabilizada, com um mínimo de
burocracia. Basta não atrapalhar muito. Brasília não pode permanecer um lugar
tão hostil à cultura.
Por: Severino Francisco – Correio
Braziliense –Foto/Ilustração: Bçlog - Google