Tanto quanto as pessoas, as nações também cometem
pecados. A Europa cometeu o pecado do colonialismo sobre os povos africanos e
ameríndios; os Estados Unidos promoveram guerras, usaram a bomba atômica,
implantaram ditaduras pelo mundo. O Brasil tem os pecados da escravidão, da
desigualdade, da degradação ambiental e o pecado do desperdício.
Por todos os lados, percebe-se centenas de bilhões
de reais gastos com obras inacabadas, pontes e estradas que vão do nada a lugar
algum, caracterizando o desperdício de dinheiro, recursos materiais, trabalho
humano. Parte destes desperdícios vem de erros técnicos, a maior parte, da
corrupção.
A dívida descontrolada também é uma forma de
desperdício que rouba dinheiro de setores produtivos. Mas, no lugar de
enfrentar esta dificuldade, equilibrando os orçamentos, temos cometido o pecado
da ilusão financeira, gastando mais do que dispõem os governos e, em
consequência, autoenganando-nos com o vício de desvalorizar a moeda para não
adotarmos a necessária virtude da austeridade.
Ao negar educação de qualidade aos brasileiros,
desperdiçamos historicamente a maior riqueza de um povo: temos 13 milhões de
adultos analfabetos; no máximo 20% dos nossos jovens terminam o ensino médio
com razoável qualidade; desperdiçamos a universidade, transformada em ilusória
escada social para alguns dos que conseguem passar no vestibular, no lugar de
fazê-la uma robusta alavanca para o progresso nacional.
Por falta de educação, desperdiçamos cérebros; por
falta de cuidados com a saúde, por violência urbana e por horas paradas no
trânsito, desperdiçamos vidas.
Mais grave pecado é o desperdício da democracia. Em
30 anos elegemos quatro presidentes: o primeiro foi afastado por impeachment, a
quarta está afastada para o julgamento de mais um impeachment.
Nestas três décadas, não conseguimos realizar os
dois propósitos da democracia: aglutinar a população presente e conduzir a
nação ao progresso futuro. Não construímos um projeto que permita colocar o
Brasil entre as nações com elevado grau de civilização e civilidade: com
economia eficiente, inovativa, produtiva, distribuindo renda com justiça, em
equilíbrio ecológico; uma sociedade sem pobreza, sem violência, com cidades
bonitas, pacíficas, com eficiência em todos os seus serviços, especialmente no
transporte urbano.
Sem oferecer educação de qualidade para todos, não
buscamos a possibilidade de nos transformarmos em um celeiro de conhecimento
científico e tecnológico, base do futuro.
Mais grave, estamos desperdiçando nossa democracia
em um debate limitado à interrupção do mandato da presidente e sua substituição
pelo vice escolhido por ela, sem fazer a discussão necessária sobre as mudanças
e reformas necessárias nos rumos do Brasil.
O maior de nossos desperdícios está na democracia
sem ambição nacional, com torcidas no lugar de debates políticos, sem
perspectiva de futuro, sem alternativas.
(*) Cristovam Buarque é senador pelo (PPS-DF) –
professor emérito da UNB