Por: Gustavo T. Falleiros
Nesta época, a seca nos dá flores de
presente. Às margens do Eixo, os ipês-roxos se oferecem em buquês redondos. Em
breve, teremos tapetes de pétalas caídas e o acréscimo de outras cores — rosa,
amarela e branca, sucessivamente. Este ano, porém, há uma diferença: é a
primeira floração sem Francisco Ozanan, o engenheiro agrônomo que, a serviço da
Novacap, plantou incríveis 3,5 milhões de árvores no Distrito Federal.
Ozanan nos deixou em 8 de maio passado,
aos 72 anos. Jardinagem foi sua paixão, e Brasília, sua obra-prima — um
trabalho que se pode chamar de artístico, pois sobrevive ao criador. Tão bem
realizado, que, hoje, pouca gente se lembra da cidade nua, mais vermelha do que
verde, mais barro do que grama. Não era uma tarefa óbvia em 1969, quando esse cearense
de Barbalha pisou o cerrado pela primeira vez. Ele anteviu as possibilidades,
pesquisou espécimes, estudou o solo, lançou as sementes. E esperou.
Os ipês em flor são a coroação dessa
história, que envolve também os milhares de candangos que trabalharam na terra.
O plantio de novos exemplares está garantido graças à linha de produção mantida
pela Novacap, com passagem por viveiros e estufas até as mudas terem condição
de germinar no ambiente urbano, o que, em geral, ocorre um ano e meio após o cultivo,
quando as plantas alcançam 2m de altura.
Tenho a impressão de que Ozanan, embora
fosse um homem prático, um fazedor, intuía muito bem a imaterialidade das
coisas. Digo isso com base no esforço que teve para preservar a palmeira de
buriti que dá nome ao palácio e à praça que abrigam o governo local. Em abril
de 1991, a árvore foi atacada a machadadas por um indivíduo que pretendia fazer
um protesto político. Diante do estrago, o agrônomo tirou da cachola uma
invenção para manter a palmeira de pé: envolveu a parte machucada em um anel de
ferro e escorou o tronco no chão. Funcionou. Ozanan sabia que aquele buriti era
mais do que uma árvore — era um símbolo.
Não conheci o agrônomo pessoalmente,
mas é como se o tivesse conhecido, graças à vívida entrevista-testamento
colhida pelos jornalistas Cristine Gentil, Flávia Duarte e Luís Tajes.
Publicado neste Correio em 18 de outubro de 2015, o material apresenta Ozanan
em sua essência: lúcido, falador, despretensioso e engraçado. Texto e vídeo
podem ser vistos aqui: http://goo.gl/GhiQnM
(*) Gustavo T. Falleiros >>
gustavofalleiros.df@dabr.com.br >> (cartas: SIG, Quadra 2, Lote 340
/ CEP 70.610-901) - Foto/Ilustração: Blog - Google