O meu personagem de hoje são as
cadeiras e, mais precisamente, as cadeiras do Cine Brasília. O leitor pode
questionar o tema tão trivial enquanto o mundo explode. No entanto, o assunto é
só aparentemente de menos relevância. Vamos aos fatos. Ao conduzir a reforma do
Cine Brasília, o arquiteto Milton Ramos convidou o designer carioca Sérgio
Rodrigues, que já havia trabalhado com Oscar Niemeyer e Lucio Costa em vários
projetos, a desenhar poltronas originais para a sala.
Sérgio descende de uma família de gênios: era sobrinho de Nelson
Rodrigues e Mário Rodrigues. Ele é simplesmente o maior designer de móveis que
o Brasil já teve e um dos melhores do mundo. Era arquiteto e proprietário de
uma loja famosa no Rio de Janeiro dos anos 1960, a Oca, situada na Praça
General Osório. Em Brasília, tem trabalhos no Itamaraty, no Jaburu, no Teatro
Nacional, no Iate Clube e na Universidade de Brasília.
É famoso no mundo inteiro. A poltrona mole que desenhou ganhou o prêmio
principal no Concurso Internacional do Móvel, em Cantù, na Itália. Ia contra a
tendência de suportes finos da época. Segundo o jornalista Sérgio Augusto, “na
Poltrona Mole não se senta, refestela-se”. O sociólogo Odilon Ribeiro Coutinho
enfatiza que ela “tem o dengo e a moleza libertina da senzala.”
Pois bem, em 2010, o Cine Brasília fechou para outro necessário ciclo de
reformas. Já era uma sala tombada. Passou cerca de 1 ano e meio em obras. Neste
ínterim, um arquiteto telefonou para o professor de arquitetura José Carlos
Coutinho e contou que as poltronas desenhadas por Sérgio Rodrigues haviam sido
retiradas e substituídas. Algumas providências eram necessárias. Foram
colocadas poltronas para cadeirantes e rampas.
Alegaram que as cadeiras originais desenhadas por Sérgio Rodrigues
estavam quebradas e não valia a pena restaurar. O descaso não parou aí. Alguém
fez uma foto em celular mostrando que os móveis de Sérgio foram amontados
embaixo do palco do Teatro Nacional. E tudo isso foi feito quando o Cine
Brasília já era tombado.
As novas cadeiras são incômodas, inadequadas, quebram facilmente. A
gente sai do cinema com a coluna estropiada. Além do que, elas são, nas
palavras do professor de arquitetura José Carlos Coutinho, verdadeiras
batedoras de carteira, de chave de carro e de crachá. Eles caem e ficam
perdidos nos vãos. Com as cadeiras de Sérgio Rodrigues, a gente atravessava a
maratona de filmes do Cine Brasília como se estivesse sentado nas nuvens. Eram
boas e confortáveis até para dormir.
Alguém precisa dizer onde estão as cadeiras de Sérgio Rodrigues e em que
estado. No próximo ano, o Festival completa 50 anos e um bom presente do atual
governo seria encontrar, restaurar e reinstalar as cadeiras originais. É a
única maneira de reparar essa trapalhada de deseducação cultural. Tenho certeza
de que as cadeiras de Sérgio Rodrigues gostavam muito de cinema.
Cine Brasília antes da reforma, com as cadeiras de Sérgio Rodrigues
Por: Severino Francisco –
Fotos/Ilustração: Blog – Google – Correio Braziliense