Quais são os médicos e quem são os
monstros? A operação Hyde, que investiga o uso criminoso de OPMEs (órtese,
próteses e materiais especiais) desperta um grande interesse, pois envolve
todos os profissionais da área de saúde e todos os seus segmentos, como as
seguradoras e as operadoras de saúde, de vida, de responsabilidade civil e
todos os profissionais da indústria farmacêutica, dos fabricantes de insumos de
saúde, de equipamentos, da indústria hospitalar e suas áreas satélites, do
universo da toga, sindicatos, políticos e tantos outros. Todos têm interesses
diretos nesse universo que gasta bilhões de reais todos os anos. Segundo a
Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), os hospitais privados
movimentaram, no Brasil, cifras próximas a R$ 400 bilhões em 2014.
Todos atuam em cima de uma área extremamente sensível e fragilizada que
é a saúde do indivíduo e da população, mantendo um assistencialismo
hospitalocêntrico como modelo predominante, desenvolvido entusiasticamente em
momento de euforia liberal e submissão cultural. A saúde e a vida ficaram sem
preço para o indivíduo, mas também distantes e caras, com um custo impagável
para o paciente e para o Estado. Uma nova forma de assistência tem que ser
implantada, mas não se faz migração de modelo de um momento para outro, sem
correr riscos de grandes equívocos, até maiores que o dano já imposto pelo
atual à população.
A fomentação do escândalo, espetacularmente associado ao romance inglês
Strange case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde (O médico e o monstro), em cima da
investigação de crime hediondo, como é uma indicação de procedimento médico
para obter benefício financeiro, não se referindo só à cirurgia, mas a qualquer
procedimento, como um exame invasivo desnecessário, um tratamento
intervencionista, uma droga e até um complemento ou orientação equivocada que
pode causar algum dano à saúde do paciente, deve ser avaliada em toda cadeia
para não ser minimizada quando personifica possíveis vilões.
Personificar o médico investigado como sendo o único responsável por
esta monstruosidade só serve para suavizar o terror e esconder na escuridão das
emoções e dos apelos midiáticos, todo o cenário e todo o bando de monstros. Os
monstros que fazem os pagamentos, aqueles que superfaturam nas compras, os que
se cartelizam para vender ao poder público e criar programas, os que falsificam
drogas, os que vendem assistências inexistentes, os que financiam políticos
para criar leis favoráveis aos seus interesses, os que vendem e não entregam,
os que vestem a pele de cordeiros sociais para morder a saúde com dentes de
lobo, toda a alcateia e comensais que parasitam em torno da saúde e,
logicamente, os que participam das ações.
Condenar publicamente um profissional em fase de investigação, já
deixando-o penalizado, atende apenas aos interesses dos outros monstros que se
escondem no espetáculo, financiam e promovem o servilismo. Personificar em
destaque o médico na cadeia criminosa associa a pessoa à ciência médica, contamina
a medicina e prejudica a boa prática, pondo uma cunha no elemento humanístico
que está fortemente ligado à medicina. Mais de 13 mil médicos atuam no Distrito
Federal e Entorno, são quatrocentos mil médicos em todo o Brasil, a maioria
convive com o cenário de guerra que é agravado pela vilpenia e a contaminação
do conceito da medicina, refletindo diretamente na sua prática e na aplicação
do conhecimento médico. A medicina precisa ser protegida. A instituição da
medicina deve ser protegida como todas as outras instituições de conhecimento.
O país carece de instituições fortes, comprometidas com a sociedade, tanto as
civis como as públicas.
As organizações médicas tentam fazer o seu papel. O Conselho de Medicina
é um dos mais atuantes no país. O que mais julga, mais avalia e o que mais pune
entre todos os conselhos profissionais. Não porque existem mais praticantes,
mas, sobretudo, porque tem maior rigidez na avaliação de suas práticas. As
associações médicas trabalham na regulamentação e regulação das práticas
médicas aceitas e na formação de profissionais. Fazemos o nosso papel e
precisamos da ajuda da sociedade em nome da medicina. Apoiamos a investigação
rígida, o julgamento de acusados e a punição dos culpados. O médico condenado
deve ter seu crime agravado pela prática inescrupulosa. Repudiamos a condenação
prévia de profissionais na publicitação e personificação de culpados que
contaminam a medicina. Cassem os monstros, repudiem messias oportunistas e
protejam a medicina.
Por: Luciano Carvalho - Presidente
da Associação Médica de Brasília – Foto/Ilustração: Blog – Google –
Correio Braziliense