João Ricardo Costa, Presidente da Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB)
Qual é a sua opinião sobre o entendimento que
prevaleceu no STF de que a pena de prisão deve ser executada imediatamente
quando houver condenação em segunda instância?
A decisão se apresentou como necessária diante da
esquizofrenia que é o sistema recursal brasileiro, que tem patrocinado a
impunidade no Brasil. Essa decisão acaba por trazer mais agilidade, garantindo
a ampla defesa e devido processo legal; e fortalece a decisão do juiz de
primeiro grau, no momento em que faz uma nova interpretação em relação ao
princípio da presunção da inocência - que vinha sendo usado como forma protelatória,
a partir de uma infinidade de recursos, obrigando aos tribunais a apreciarem
vários pedidos para decidir a mesma coisa, o que é totalmente
contraproducente.
Acha que esse entendimento pode reduzir a
quantidade enorme que existe hoje de recursos meramente protelatórios nos
tribunais superiores?
Essa medida tende a evitar os recursos
protelatórios, porque, uma vez que a pena começa a ser cumprida, não há mais
tanto interesse na procrastinação do processo. Além disso, os prazos
prescricionais deixam de correr e há essa tendência de redução dos recursos
como resultado do novo entendimento do STF.
Nos últimos anos, o país tem visto prisões e
condenações que eram raras há pouco tempo de políticos e empresários
bilionários. O que mudou no país?
Realmente as investigações da Lava-Jato alteram uma
lógica de que a lei penal só atingia o pobre. Claro que isso não se iniciou
somente nessa Operação, a Justiça tem muitas condenações anteriores de pessoas
de alto poder aquisitivo e também de poder político, mas a Lava-Jato deu
visibilidade ao problema e chegou aonde jamais se tinha chegado, que é atingir
as grandes empreiteiras brasileiras, ligadas à estrutura do país, e também
atingindo a classe política de uma forma bastante abrangente. Isso realmente é
um fato inédito na história republicana brasileira.
Acha que a Lava-Jato teria chegado onde chegou sem
o juiz Sergio Moro?
A Operação alcançou tamanha dimensão muito em
função das qualidades e do preparo técnico do juiz Sérgio Moro, que aplicou
entendimentos mais modernos no combate ao crime organizado. Disso não há dúvida
nenhuma. Em muitos momentos, ele foi pressionado e teve ao seu lado o apoio de
importantes entidades para cobrar do Poder Público a autonomia necessária para
que não houvesse intervenções na condução das ações. Em diversas situações, a
AMB precisou intervir e cobrar que as prerrogativas da magistratura fossem
respeitadas para garantir a independência do Judiciário.
Na sua opinião, qual impacto haveria com a eventual
determinação de prisão contra Lula por se tratar de um presidente da República?
Não se pode prever como a sociedade brasileira
reagiria em relação a uma possível prisão de um ex-presidente da República. Mas
é claro que seria um fato político relevante no País, um fato jornalístico de
dimensão internacional, disso não resta dúvida.
Num momento em que se discute cortes no orçamento e
ajuste fiscal, o senhor acredita ser possível a recomposição dos subsídios dos
ministros do STF?
Não há qualquer incompatibilidade em relação à
recomposição dos subsídios. No momento de crise, o discurso de cortes no
orçamento é sempre direcionado ao serviço público e à classe trabalhadora, e
tem sido objeto de recrudescimento da crise em vários modelos no mundo. Esse
discurso sempre vem à tona e esses cortes são sempre o caminho apontado como
forma de superação das crises. No entanto, aqueles que acarretaram as crises em
função de desvios de recursos públicos, que de fato conduziram o país, por meio
do financiamento de campanhas, acabaram fazendo valer os seus projetos
legislativos ou no âmbito da economia. Esses foram os verdadeiros causadores
dessa crise, e são eles que devem pagar para que o Estado supere essa crise. É
a classe empresarial que sonega impostos, frauda licitações, usa caixa dois;
são os banqueiros que sonegam impostos e usaram seus lobbies para políticas de
exclusão; esses devem arcar com o custo dessa crise. E não a magistratura, e
não o serviço público.
Fonte: Ana Maria Campos – Coluna
“Eixo Capital” – Correio Braziliense