Por: Cristovam Buarque,
O fracasso da velha esquerda
representada pelos partidos recentemente no poder não eliminou a necessidade de
um movimento com as três características que definem esquerda: descontentamento
com o status quo, sonho alternativo para o mundo e convicção de que este mundo
melhor só será construído pela política. Ao fracassar, a esquerda tradicional
demonstrou seus erros e reafirmou que é preciso uma outra esquerda para uma
nova proposta de outro Brasil.
Desde que chegaram ao poder, PT e demais partidos de esquerda ao seu
redor assumiram que seu governo havia realizado a mudança e construído a
utopia, por bolsas e cotas, um correto gesto social, mas esquecendo as reformas
necessárias da estrutura da sociedade, para que os filhos de todos os
trabalhadores tenham a mesma chance de todos os filhos dos patrões.
Essa nova esquerda precisa entender que no mundo global, com suas
transformações tecnológicas, o debate ideológico não está mais na economia. O
papel da economia não é ser justa, mas, sim, ser eficiente e produzir o
necessário para atender aos interesses da sociedade, na busca de justiça e
sustentabilidade, a ser conseguidas pela política. No lugar do reacionarismo de
barrar as revoluções para proteger segmentos sociais, a nova esquerda precisa
fazer as revoluções necessárias para transformar a sociedade, aproveitando as
vantagens do avanço técnico. Embora deva objetivar uma sociedade utópica
possível, não cabe mais a ideia de uma engenharia social para construir utopias
definidas pela vontade de intelectuais e políticos, como se acreditou ao longo
do século 20. A utopia não é uma edificação social: é um processo em marcha
democrática
A democracia na política, a ética na gestão pública, a liberdade de expressão
são compromissos fundamentais e inegociáveis na nova esquerda. Diferentemente
do populismo, da arrogância e do aparelhamento, para servir ao público é
preciso gerenciar o Estado com competência e respeito ao mérito de seus
servidores — a esquerda tem de ser meritocrática, ou cai no comportamento
aristocrático de beneficiar escolhidos independentemente do seu desempenho.
Estado não é sinônimo de público. É preciso ser administrado com
responsabilidade; entender que os equilíbrios fiscal e ecológico exigem
austeridade no lugar do desperdício que viciou a esquerda, levando à
apropriação privada pelo Estado por partidos e corporações, servindo mais aos
interesses de políticos e líderes sindicais do que aos interesses da população.
Terminaram defendendo privilégios adquiridos, impossíveis de ser distribuídos
às massas.
A robótica e a informática rompem as relações entre os indivíduos e o
Estado, exigindo reformas na legislação do Trabalho. O aumento na expectativa
de vida e a redução na taxa de natalidade exigem reformas no sistema
previdenciário. Os interesses do povo exigem a estabilidade monetária, o que
requer forte compromisso com a responsabilidade fiscal. A austeridade,
diferentemente do consumismo burguês, deve ser uma característica da esquerda.
Só ela é capaz de manter os equilíbrios fiscal e financeiro e reduzir a brecha
da desigualdade social.
Comprometida com a liberdade, a nova esquerda deve tolerar a
desigualdade no consumo e na renda do indivíduo, desde que assegurada a
igualdade plena à educação e à saúde de qualidade. A desigualdade deve ficar
limitada entre um piso social — ninguém deixado abaixo do mínimo necessário à
sobrevivência digna — e um teto ecológico — ninguém podendo provocar
desequilíbrio ecológico por meio do consumo. Entre o piso social e o teto
ecológico, a educação de qualidade igual para todos serve como uma legítima
escada social.
Cada pessoa com a mesma chance para usar o seu talento, sua persistência
e seu esforço para atingir os níveis superiores de renda e de consumo. O slogan
da nova esquerda não é mais “a fábrica nas mãos do Estado a serviço do
trabalhador”, deve ser “o filho do trabalhador na mesma escola do filho do
patrão”. O nome do novo socialismo, da nova esquerda, é educacionismo, com
democracia, liberdade e sustentabilidade, garantindo educação com a mesma
qualidade para todos.
(*) Cristovam Buarque - Professor
emérito da UnB e senador pelo PPS-DF – Correio
Braziliense