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Monumento do descaso


Por: Severino Francisco

Brasília foi criada por artistas ou por gente com alma de artista. Por isso, sempre contou com generosos espaços para a arte. No entanto, o processo de consolidação da cidade foi atropelado pelo regime militar. E, quando voltou a redemocratização, Brasília se tornou vítima de uma sucessão de governantes ignaros, despreparados, ineptos e desamantes da arte. O resultado é visível pela cidade com vários monumentos e espaços culturais relevantes relegados à condição de ruínas modernistas.

Reportagem oportuna, assinada pela dupla de repórteres Adriana Izel e Rebeca Oliveira, fez, na edição de domingo, uma radiografia do estado de calamidade pública de um dos mais primorosos monumentos de Brasília e da arquitetura moderna: o Teatro Nacional. Elas mostram que a pirâmide, desativada desde 2014, se tornou um ponto de crack, um antro da marginalidade, um habitáculo de fantasmas.

Como isso se tornou possível? — é a pergunta que se impõe. A resposta automática das autoridades é a falta de dinheiro. Mas ela não é inteiramente verdadeira. Enquanto o Teatro Nacional agonizava, o governo petista de Agnelo Queiroz ergueu o Estádio Mané Garrincha, ao preço de R$ 1,8 bilhão, um dos mais caros do planeta. Gosto muito de futebol, o Mané é bonito e bem localizado, mas foi uma opção de investimento completamente insensata, fadada a ser mais um elefante branco na paisagem. E um elefante branco que custa mais de R$ 600 mil só para a manutenção mensal.

Enquanto isso, a Câmara Legislativa torrou milhões de reais em emendas para beneficiar shows superfaturados de duplas sertanejas, que são um verdadeiro caso de polícia. De sua parte, o Ministério Público se omitiu clamorosamente em relação ao estado em que se encontra o Teatro Nacional.

Essas são algumas razões para a suposta “maldição da pirâmide”. A reportagem de Adriana e Rebeca revela claramente que foi um erro primário fechar o teatro e acenar com uma reforma caríssima. É estranha essa opção dos governos pelas reformas megalomaníacas; e tal prodigalidade com o dinheiro público mereceria a lupa do Ministério Público e da Polícia Federal.

Em vez de estar paralisado, o Teatro Nacional deveria funcionar mesmo que parcialmente e gerar renda, como sugere a matéria. Que se busquem parcerias com o Ministério da Cultura, a iniciativa privada e a Câmara Legislativa para encontrar uma solução para o Teatro Nacional.

É inaceitável o argumento de falta de dinheiro para justificar a completa inação. Claro que existe uma infinidade de problemas que explodem por todos os lados. No entanto, a situação do Teatro Nacional é de calamidade pública cultural e exige providências urgentes. Não é possível que todos nós assistamos impassíveis a um dos mais belos teatros do mundo ser reduzido a ponto de crack e a habitáculo de fantasmas em plena capital do país.


(*) Severino Francisco – Jornalista, repórter, colunista do Correio Braziliense – Foto: Bento Viana – Ilustração Blog

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