Por Jane Vilas Bôas,
Certas coisas são incorporadas ao nosso
cotidiano de tal forma que nos acostumamos e chegamos mesmo a acreditar que
sempre fizeram parte da nossa vida. Quem já incluiu o Lago Paranoá entre seus
destinos prediletos na prática de esporte, pesca ou lazer talvez nem se lembre
ou saiba que um dia tais atividades eram arriscadas ou até inviáveis.
Atualmente, o Paranoá ostenta o honroso título de único lago urbano
tropical despoluído no mundo. Mas foi necessário cerca de R$ 1 bilhão para
eliminar os efeitos do profundo processo de degradação sofrido pelo lago desde
a sua construção. Os investimentos começaram em meados da década de 1990 e, só
no início de 2000, o lago foi declarado oficialmente livre da poluição.
Para se ter ideia de como era o Paranoá antes disso, basta pensar na
situação atual de outros reservatórios brasileiros, como a Pampulha (MG),
Rodrigo de Freitas (RJ) ou Ibirapuera (SP). Águas turvas e impróprias ao banho
tomavam praticamente todo o lago. Avistavam-se imensas ilhas de aguapés. O mau
cheiro se espalhava nas proximidades das Estações de Tratamento de Esgoto
(ETEs) das asas Norte e Sul e afugentava a maioria da população.
Após a despoluição, o Paranoá se transformou na praia de Brasília e
conferiu à capital a terceira posição nacional em número de embarcações por
habitante. Com isso, ocorrências como a que estamos vivenciando atualmente no
trecho que vai da foz do Riacho Fundo até a ponte Honestino Guimarães (5,5% da
área total), com a proliferação de algas azuis (cianobactérias), acendem o
sinal de alerta em toda a população.
Já se sabe que a causa desse fenômeno, que sempre ocorreu em diferentes
proporções, é a súbita ampliação da oferta de matéria orgânica; uma resposta do
próprio lago ao excesso de nutrientes, principalmente o fósforo. O trabalho de
investigação para definir o que provocou este desequilíbrio ainda está em
curso, tendo sido enviadas amostras da água a um laboratório especializado e os
resultados são aguardados para a primeira quinzena deste mês.
No entanto, algumas afirmações já podem ser feitas. As primeiras chuvas,
que limpam toda a sujeira acumulada no asfalto, nas galerias pluviais etc.
certamente contribuíram. A ocupação irregular do solo, acompanhada do
lançamento de esgoto clandestino, o assoreamento nas margens e a histórica
poluição do córrego Riacho Fundo também contribuíram.
A proliferação de algas ocorre justamente a partir da foz do Riacho
Fundo, maior afluente que cobre região mais urbanizada e com menor saneamento
básico na Bacia do Paranoá. Seu curso percorre áreas do Guará, Setor de
Indústrias, Arniqueiras, Vicente Pires, Águas Claras, Núcleo Bandeirante,
Octogonal, entre outras, até desaguar no Lago.
Este governo tem investido para resolver essas questões complexas e
históricas. Aplicou, por exemplo, R$ 505 milhões em drenagem e pavimentação em
Vicente Pires. Até o fim deste ano, 6 mil ligações de esgoto na Colônia
Agrícola Samambaia e Vila São José, em Vicente Pires, devem ser concluídas. Em
todo o Distrito Federal, estão sendo implantados mais de 700km de rede,
extensão próxima à distância entre Brasília e Belo Horizonte.
A Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) investiu
recentemente R$ 30 milhões em melhorias nas Estações de Tratamento de Esgoto
(ETE) Sul e Norte e constantemente monitora e disponibiliza em seu site um mapa
de balneabilidade do lago. Paralelo a todo esse trabalho, está em execução o
Plano Orla Livre, que garantirá sustentabilidade do Lago, além de segurança e
conforto no seu uso pela população. A cada etapa da desobstrução da orla e da
remoção de invasões em áreas públicas na bacia do Paranoá, protagonizadas pela
Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis-DF), são descobertas
captações de água e lançamentos de esgotos clandestinos. Daí a importância de
se enfrentar essas questões.
O cidadão pode ajudar também. Se encontrar alguma situação irregular,
denuncie pelo 162 ou pelo site da Ouvidoria do IBRAM. Se não tiver retorno,
cobre! O mesmo vale para a imprensa, que tem papel fundamental no processo de
esclarecimento da população e de fiscalização das ações do governo. Manter o
Paranoá limpo e balneável para as atuais e futuras gerações é um desafio diário
e requer esforço conjunto de todos os segmentos da sociedade. A saúde do Lago
depende diretamente das nossas ações coletivas e individuais.
(*) Jane Vilas Bôas - Presidente
do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) - Foto/Ilustração: Blog - Google