Por Eugênio Giovenardi,
O sistema econômico mundial de
produção-consumo-produção fundamenta seu lucro e eficácia no aumento da
população consumidora. Não é comum querer comprar três relógios Rolex. Porém,
qualquer pessoa precisa de água e comida todos os dias. O crescimento da
população, além das necessidades essenciais de sobrevivência, vem cercado de
estímulos cada dia mais diversificados para seu conforto com bens úteis e
inúteis, de curta duração. Essa imensa gama de bens de consumo alimenta a usina
autossustentável de fabricação de lixo líquido e sólido.
O lixo seja talvez um dos itens que não entram no planejamento urbano e
parece não ter sido preocupação na maioria dos projetos de engenharia e
arquitetura urbana do Distrito Federal. Com o crescimento da população e,
consequentemente, o consumo de bens industrializados, a tendência é que o lixo
aumente na mesma ou em maior proporção com a entrada no comércio de produtos
com obsolescência programada. Produtos que duravam 10 a 20 anos, hoje são
descartados em poucos meses.
As ações dirigidas ao lixo têm um sentido curativo e não preventivo. Uma
ação preventiva e inteligente buscaria minimizar a produção de lixo liquido,
orgânico ou sólido. No entanto, as ações curativas, mais dispendiosas do que as
preventivas, se arrastam em demorados projetos sanitários da administração
pública com a construção de galpões de reciclagem e aterros sanitários.
Corre-se atrás do lixo, e apenas a uma parte dele. Espera-se que a água suja ou
usada chegue aos córregos ou ao Lago Paranoá para tomar medidas de purificação
e devolvê-la aos cidadãos. Grande parte dos projetos de esgotamento de águas
pluviais é proposta depois de inundações, desmoronamentos, destruição de casas
e mortes de cidadãos. Projetos de captação de águas pluviais e reflorestamento
de áreas comuns são, até hoje, exceções.
Ian McHarg (1920-2001), planejador e arquiteto urbanista de projetos de
base ecológica, professor da Universidade da Pensilvânia, foi um dos principais
críticos do consumo dos bens físicos no mundo. Contratado em 1971 para projetar
a construção de Woodlands New Town, para uma população de 50 mil habitantes, no
estudo prévio, determinou os “requisitos de desempenho para a manutenção dos
valores sociais representados pelo ambiente natural”. Entre eles: “o cuidado com
nascentes e perigo de enchentes; riscos para a vida e a saúde, ocasionados pela
ação humana e relacionados com a qualidade da água, recarga de aquíferos,
perfuração de poços artesianos e solos inadequados para despejo de dejetos”. A
expansão de Brasília parece não só desconhecer, como ignorar esses valores
sociais do urbanismo, essenciais para a convivência dos cidadãos.
Todos os dias, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) do Distrito Federal
recolhe das ruas 2,7 mil toneladas de lixo. Desse total, apenas 1,2 mil recebem
tratamento. Segundo o SLU, 900 toneladas serão despejadas no Aterro de
Samambaia recém-liberado para receber os rejeitos não reaproveitáveis. Quantos
milhões de reais foram investidos nessas 900 toneladas que, em troca, emitirão
chorume que fatalmente contaminará o solo, o ambiente respirável, os cursos de
água e os aquíferos interiores.
Esse acúmulo de lixo não aproveitável, é acrescido de toneladas de lixo
espalhadas pelas quadras do Plano Piloto e por cidades-satélites ou às
margens das rodovias, como se observa entre Taguatinga e Ceilândia. São fonte
permanente de poluição ambiental e difusão de bactérias que afetam as águas, as
árvores e as pessoas. Esses dados são ainda mais preocupantes se considerarmos
que boa parte desse lixo é jogada no Lixão da Estrutural, o maior a céu aberto
em operação na América Latina. Desse lixão depende a sobrevivência diária de
mil catadores e suas famílias em condições insalubres e degradantes
Os resíduos sólidos, como sucata de automóveis, computadores, aparelhos
celulares e eletrodomésticos, ainda aguardam o cumprimento da legislação
específica pela indústria, comércio e administração pública. O advento da tevê
digital, que entrou em vigor em Brasília em 26 de outubro passado, produziu
efeitos imediatos com o aparecimento de carcaças de televisores à beira de
estradas do DF. Na BR-060, entre os Km 1 e 9, nas margens de Samambaia, há 21
pontos de acúmulo de lixo diversificado, a céu aberto, originado de
residências, escolas, indústrias, lojas comerciais e da construção civil. É de
se desejar que ações administrativas mais eficientes na classificação e
tratamento do lixo expressem a grandeza de uma cidade que é Patrimônio Cultural
da Humanidade.
(*) Eugênio Giovenardi - Escritor,
acadêmico do IHG/DF e membro do ICOMOS. – Fonte:
Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google