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#PROTESTO » Por liberdade no pilotis - (Brasilienses se manifestaram para garantir que uma das características de Brasília, prevista por Lucio Costa, seja mantida: o direito de circulação embaixo dos blocos do Plano Piloto. Comunidade promoveu um brincalhaço em um prédio da 312 Sul)

Manifestação em clima de festa infantil: comunidade transformou a reivindicação de direitos em momento de descontração ao ocupar o espaço público

Por Alessandra Modzeleski,

Brasilienses se manifestaram para garantir que uma das características de Brasília, prevista por Lucio Costa, seja mantida: o direito de circulação embaixo dos blocos do Plano Piloto. Comunidade promoveu um brincalhaço em um prédio da 312 Sul

Pais e filhos encontraram uma maneira descontraída de se manifestar contra a norma do Bloco H, da 312 Sul, que proíbe crianças de brincarem no pilotis. Ontem, pela manhã, com bolhas de sabão, jogos de cartas, palhaços e piqueniques, os pequenos se divertiram no brincadalhaço organizado no local por meio do Facebook. Além das famílias, a questão envolveu ainda o Conselho Tutelar e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ambos ressaltam que, por fazer parte de área pública, de acordo com o plano urbanístico idealizado por Lucio Costa, o térreo do bloco não pode limitar o acesso de frequentadores. A polêmica começou após a publicação de uma moradora nas redes sociais, que relatou ter sido impedida de levar as filhas pequenas para brincarem embaixo do bloco por conta de uma norma do condomínio.

Maria Maciel, 72 anos, vive no bloco há 50. “Meus dois filhos brincavam aqui. O mais velho, hoje, tem 42 anos. Eles faziam até escorrega de água com sabão no pilotis. Agora, existe um regime de que tudo não pode”, observa a moradora, que acompanhou a brincadeira. A nova geração que habita o prédio confirma as restrições impostas pela administração predial. O bancário Renato Rabelo se mudou para o bloco há quatro meses com a mulher e as duas enteadas, de 4 e 2 anos. “Certo dia, saí para comprar pão de bicicleta com as meninas, e o porteiro me falou que isso era proibido no condomínio. Achei bem rigoroso e exagerado”, relata. “Dizem que essas normas são pela segurança das crianças. Mas quem brinca se machuca, certo?”, defende o bancário.

Famílias de outras regiões também participaram do protesto. Tatiana Várzea, moradora da 304 Sul, levou o filho de 1 ano e o marido para o ato. “Onde moramos é o oposto. Nós até temos um parquinho na frente, e existem restrições, mas só depois das 22h. Algo normal”, explica. Moradora da 412 Norte, a professora Julia Schnor levou o enteado de 7 anos para jogar dominó no local. “Fiz questão de trazê-lo, porque as crianças devem aprender que têm direitos e devem lutar por eles”, conta. “Hoje em dia, há um controle em cima delas para que fiquem só na frente da TV. Devemos incentivar o oposto”, acredita. Especialista em administração condominial, Aldo Junior ressalta que há irregularidades nas normas do condomínio. “Impedir a livre passagem de pessoas não é correto. Não se pode aprovar nada que seja contra a legislação, nada que se sobreponha à lei”, afirma.
Norma de 1971
Acompanhada do advogado do condomínio, a síndica do Bloco H da 312 Sul, Maria Salete Borges, explica que “não há proibição”, mas sim uma norma que proíbe a aglomeração ou a reunião de pessoas e o trânsito de bicicletas no pilotis. De acordo com a administradora, a regra faz parte do regimento datado de 1971 e que, por várias vezes, houve tentativas de alterar e modernizar o documento, mas a assembleia nunca obteve o quorum necessário. “Eu mesma tenho quatro netos e jamais impediria as crianças de brincar. Às vezes, até eu participo das brincadeiras”, garante. Segundo Salete, na próxima quinta-feira (2), será feita uma nova reunião de condomínio para que as regras do regimento sejam revistas.

A suposta proibição chegou à Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude. A pasta acionou o Conselho Tutelar da região para garantir o direito de meninas e meninas e do restante da comunidade de circularem pelo bloco. O secretário da pasta, Aurélio Araújo, visitou o brincalhaço. “A gente avalia que a norma do condomínio não pode estar acima do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Restringir o espaço não é o caminho adequado. Devemos estimular o direito de brincar em vez de coibir.” O secretário informou que o Conselho Tutelar fez contato com a síndica do bloco. O órgão desenvolverá um trabalho pedagógico com a gestora. Se houver reincidência, ela será notificada com um processo no Ministério Público ou na Vara da Infância.

O que diz a legislação?
Os Artigos 9º e 32º da Portaria nº 166/2016 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) garantem o uso livre dos pilotis.  Na obra Brasília revisitada (1985-1987), o próprio arquiteto e urbanista Lucio Costa defendeu a acessibilidade do local. “A escala residencial, com a proposta inovadora da superquadra, a serenidade urbana assegurada pelo gabarito uniforme de seis pavimentos, o chão livre e acessível a todos através do uso generalizado dos pilotis e o franco predomínio do verde, trouxe consigo o embrião de uma nova maneira de viver, própria de Brasília e inteiramente diversa das demais cidades brasileiras.”


(*) Alessandra Modzeleski - Especial para o Correio Braziliense – Fotos: Luis Nova – Esp/CB/D.A.Press

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