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Joaquim Cardoso - "Poeta do cálculo"

Palácio Itamaraty - Salão do Cerimonial - Escada Projeto do arquiteto Milton Ramos 

Poeta do cálculo

*Por Severino Francisco, 


Há algumas semanas, participei de uma visita guiada no Palácio Itamaraty e, em determinado momento, o nome de Joaquim Cardozo foi mencionado na condição de responsável pelo cálculo estrutural do maior vão livre do mundo sem colunas, no Salão do Cerimonial. Os visitantes perguntavam por que estava esquecido. Por isso, resolvi falar novamente do engenheiro calculista que viabilizou os voos barrocos de Oscar Niemeyer no Palácio da Alvorada, na Catedral Metropolitana de Brasília, nas cúpulas invertidas do Congresso Nacional, no Tribunal de Justiça e nos grandes vãos do Itamaraty.

Ele pôde estabelecer uma parceria tão afinada com Niemeyer porque tinha imaginação de poeta no verso, na arquitetura e na vida. Poucos sabem que ele era, de fato, um grande poeta. João Cabral de Melo Neto lhe prestava reverência na condição de mestre.

Cardozo escreveu os versos do livro Signo estrelado enquanto calculava a curva da Catedral Metropolitana de Brasília. Carlos Drummond de Andrade afirmou: “Se me perguntassem: o que distingue o grande poeta? Eu responderia: ser capaz de fazer um poema inesquecível. O poema que adere à nossa vida de sentimento e de reflexão, tornando-se coisa nossa pelo uso. Para mim, Joaquim Cardozo, entre os muitos títulos de criador, se destaca por haver escrito o longo e sustentado poema A nuvem Carolina, que é uma das minhas companheiras silenciosas da vida”.

Cardozo chegava a ler em 15 idiomas e traduziu poesias do sânscrito e do chinês. Exerceu os ofícios de engenheiro, tipógrafo, dramaturgo, contista, professor universitário, editor, crítico de arte, pianista e chargista. Niemeyer o considerava um dos homens mais cultos que conheceu. Na vida e na poesia, ele ambicionava a um despojamento e a uma simplicidade extremos.

No belo Poema do amor sem exagero, ele escreve: “Eu não te quero aqui por muitos anos/Nem por muitos meses ou semanas/Nem mesmo desejo que passes no meu leito/As horas extensas de uma noite./Para que tanto corpo!/Mas ficaria contente se me desses/Por instantes apenas e bastantes/A nudez longínqua e de pérola/Do teu corpo de nuvem”.

No poema Trivium, Cardozo celebra o impulso para o voo e para a luz, que marcou a sua atuação de poeta-calculista em Brasília: “É preciso partir enquanto é noite/Enquanto é aspiração do absoluto./É preciso voar no vórtice das lendas, das histórias antigas./Viajar, circular, além das águas, além do ar./Do ar — plâncton do espaço, alimento das asas/— casulo da luz — crisálida”.

Não existe nenhuma referência a Cardozo nos monumentos da cidade. A antiga ponte Costa e Silva, depois chamada de Honestino Guimarães, devia se chamar Ponte Joaquim Cardozo. Seria uma justa homenagem ao poeta do cálculo estrutural.

João Cabral de Melo Neto dedicou quatro poemas a Cardozo. Em um deles, intitulado A Joaquim Cardozo, estabelece uma relação sutil entre a paisagem marinha do Recife e os prédios que calculou na aridez de Brasília, envoltos em uma atmosfera de sonho: “Com teus sapatos de borracha/seguramente/é que os seres pisam no fundo das águas./Encontraste algum dia/sobre a terra/o fundo do mar,/o tempo marinho e calmo?”

E, na sequência, João Cabral responde, enumerando as preferências recifenses de Cardozo e a conexão com a arquitetura de Brasília: “Tuas refeições de peixe; teus nomes/femininos: Mariana; teu verso/medido pelas ondas;/a cidade que não consegues/esquecer aflorada no mar;/Recife, arrecifes, marés, maresias;/e marinha ainda a arquitetura/que calculaste:/tantos sinais da marítima nostalgia/que te fez lento e longo”.



(*) Por Severino Francisco – Jornalista, colunista do Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google

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