Por Severino Francisco
Caro leitor, peço a fineza de retirar as crianças
da sala, pois tratarei de um tema altamente pornográfico, obsceno e atentatório
à moral e aos bons costumes. Vocês adivinharam, estou me referindo à Câmara
Legislativa do DF. É uma das instituições que mais envergonham o brasiliense.
Como se não bastasse o vasto currículo de desmandos praticados por
parlamentares daquela Casa, cinco excelências se tornaram réus em razão das
denúncias de venda de emendas parlamentares para beneficiar hospitais, com
farta distribuição de propina, segundo investigações levantadas pela Operação
Drácon.
Será que foi para isso que nos mobilizamos ao reivindicar o direito de
representação política para o DF? Como se explica que seja possível a
permanência de uma instituição tão degradada em plena capital do país? Quem votou
em pessoas tão desqualificadas, que se envolvem, sistematicamente, com atos
ilícitos? Que sistema político é esse que seleciona os piores elementos da
sociedade e não os melhores?
A Câmara Legislativa do DF, salvo honrosas exceções, não pode reclamar
de ninguém; é ela que mancha a própria imagem. E, quando tem a chance de
reparar o dano, reincide nos despautérios. Os que deveriam coibir contribuem
para a perpetuação da impunidade. A complacência começa pelo Tribunal de
Justiça do DF. Embora tenha acatado a denúncia de cinco parlamentares na
condição de réus, permitiu que mantivessem os respectivos mandatos.
Como se sabe, os autores da trama foram flagrados em gravações nas quais
tentam livrar-se da encrenca forjando provas falsas e incriminando terceiros
que nada têm a ver com os deslizes que praticaram. É óbvio que as excelências
enredadas no escândalo podem interferir no sentido de destruir provas, de
dificultar as investigações e de articular para que as ações emperrem na Câmara
Legislativa do DF.
A repórter Ana Viriato publicou no caderno Cidades levantamento
mostrando que, nos últimos 20 anos, foram abertos 59 processos por quebra de
decoro parlamentar. No entanto, somente três parlamentares chegaram a ser
cassados. Na maioria dos casos, o processo foi arquivado antes de seguir o
curso regular, em flagrante desacordo com a lei, que determina o trâmite
instantâneo das representações.
Portanto, a decisão de tornar os autores dos delitos em réus, mas não
lhes cassar os respectivos mandatos, transfere para a Câmara a responsabilidade
de transformar a punição em uma saborosíssima pizza. Um dos magistrados
sustentou que “a manutenção das funções dos denunciados não causará qualquer
prejuízo para a garantia da ordem pública, preservando-se a imagem e a
credibilidade do Legislativo local”. Ponderou, também, que “a complexidade
da acusação indica que o julgamento final deverá ocorrer daqui a muitos anos,
provavelmente. Talvez mais de cinco ou até 10”.
Essas decisões enigmáticas causam espanto. Sem essa complacência
inestimável, talvez muitos larápios de carteirinha não estariam soltos e
ditando as regras do parlamento com toda a certeza da impunidade.
(*) Severino Francisco – Jornalista, colunista do
Correio Braziliense – Foto: Antonio Cunha/CB/D.A. - Ilustração: Blog - Google