Eliana Calmon diz que há muita sujeira na Justiça
“A Lava Jato pegará o Poder Judiciário
num segundo momento. O Judiciário está sendo preservado, como estratégia para
não enfraquecer a investigação.” A previsão é de Eliana Calmon, ministra
aposentada do Superior Tribunal de Justiça, ex-corregedora nacional de Justiça.
“Muita coisa virá à tona”, diz. Ela foi alvo de duras críticas ao afirmar,
em 2011, que havia bandidos escondidos atrás da toga. “Do tempo em que eu fui
corregedora para cá, as coisas não melhoraram”, diz.
Para a ministra, alegar que a Lava Jato
criminaliza os partidos e a atividade política é uma forma de inibir as
investigações. “Os políticos corruptos nunca temeram a Justiça e o Ministério
Público. O que eles temem é a opinião pública e a mídia”, afirma. A entrevista
foi concedida por telefone, nesta quinta-feira (13).
Como
a senhora avalia a lista dos investigados a partir das delações?
Eu não fiquei surpresa. Pelo que já estava sendo divulgado, praticamente
todos os grandes políticos estariam envolvidos, em razão do sistema político
brasileiro que está apodrecido.
Algum
nome incluído na lista a surpreendeu?
José Serra (senador do PSDB-SP) e Aloysio Nunes Ferreira (senado
licenciado, ministro das Relações Exteriores, também do PSDB-SP).
A
Lava Jato poderá alcançar membros do Poder Judiciário?
No meu entendimento, a Lava Jato tomou uma posição política. É minha
opinião pessoal. Ou seja, pegou o Executivo, o Legislativo e o poder econômico,
preservando o Judiciário, para não enfraquecer esse Poder. Entendo que a Lava
Jato pegará o Judiciário, mas só numa fase posterior, porque muita coisa virá à
tona. Inclusive, essa falta tem levado a muita corrupção mesmo. Tem muita coisa
no meio do caminho. Mas por uma questão estratégica, vão deixar para depois.
Como
a senhora avalia essa estratégia?
Acho que está correta. Do tempo em que eu fui corregedora para cá, as
coisas não melhoraram. Há aquela ideia de que não se deve punir o Poder
Judiciário. Nas entrevistas, Noronha [o atual corregedor nacional, ministro
João Otávio de Noronha] está mais preocupado em blindar os juízes. Ele diz que
é preciso dar mais autoridade aos juízes, para que se sintam mais seguros.
Caminha no sentido bem diferente do que caminharam os demais corregedores.
Como
a Lava Jato impacta o Judiciário? O que deve ser aperfeiçoado?
Tudo (risos). Nós temos a legislação mais moderna para punir a
corrupção. O Brasil foi obrigado a aprovar algumas leis por exigência
internacional em razão do combate ao terrorismo. Essas leis foram aprovadas
pelo Congresso Nacional, tão apodrecido, porque eles entendiam que elas não iam
“pegar” aqueles que têm bons advogados, que têm foro especial. Foram aprovadas
também porque precisavam dar uma satisfação à sociedade depois das
manifestações populares em junho de 2013.
Os
tribunais superiores têm condições de instaurar e concluir todos esses
inquéritos?
O STJ vem se preocupando admitir juízes instrutores que possam
desenvolver mais rapidamente os processos. Embora a legislação seja conivente
com a impunidade, é possível o Poder Judiciário punir a corrupção com vontade
política. É difícil, porque tudo depende de colegiado. Muitas vezes alguém pede
vista e “perde de vista”, não devolve o processo. Precisamos mudar a legislação
e tornar menos burocrática a tramitação dos processos. Hoje, o Judiciário está
convicto de que precisa funcionar para punir. Essa foi a grande contribuição
que o juiz Sergio Moro deu para o Brasil. Eu acredito que as coisas vão
funcionar melhor, mas ainda com grande dificuldade.
Como
deverá ser a atuação do Judiciário nos Estados com os acusados sem foro
especial?
Hoje, o Judiciário mudou inteiramente. Todo mundo quer acompanhar o
sucesso de Sergio Moro. Os ventos começam a soprar do outro lado. Antigamente,
o juiz que fosse austero, que quisesse punir, fazer valer a legislação era
considerado um radical, um justiceiro, como se diz. Agora, não. Quem não age
dessa forma está fora da moda. Está na moda juiz aplicar a lei com severidade.
Como
o STF deverá conduzir o julgamento dos réus da Lava Jato?
Eles vão ter que mudar para haver a aceleração. Acho um absurdo o
ministro Edson Fachin, com esse trabalho imenso nessas investigações da Lava
Jato, ter a distribuição de processos igual à de todos os demais ministros.
Isso precisa mudar.
Como
avalia o desempenho da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia?
O presidente de um tribunal como o Supremo tem um papel relevantíssimo.
Costumo dizer que o grande protagonista do mensalão não foi apenas o ministro
Joaquim Barbosa. Foi Ayres Britto. Na presidência, ele colocou os processos em
pauta. Conduziu as sessões, interceptou as intervenções procrastinatórias dos
advogados. Ele era muito suave, fazia de forma quase imperceptível. A ministra
Cármen Lúcia demonstra grande vontade de realizar esse trabalho. Mas vai
precisar de muito jogo de cintura, da aceitação dos colegas. O colegiado é
muito complicado, muito ensimesmado. Os ministros são muito poderosos. Há muita
vaidade.
Há a
possibilidade de injustiças na divulgação da lista?
Sem dúvida alguma. Todas as vezes que você abre para o público essas
delações, algumas injustiças surgem. Essas injustiças pessoais, que podem
acontecer ocasionalmente, não são capazes de justificar manter em sigilo toda
essa plêiade de pessoas que cometeram irregularidades. Mesmo havendo algumas
injustiças, a abertura do sigilo é a melhor forma de chegarmos à verdade dos
fatos.
Há
risco de um “acordão” para sobrevivência política dos investigados?
Vejo essa possibilidade, sim, pelo número de pessoas envolvidas e pela
dificuldade de punição de todas elas. O Congresso Nacional já está tomando as
providências para que não haja a punição deles próprios. Eles estão com a faca
e o queijo na mão. É óbvio que haverá uma solução política para livrá-los, pelo
menos, do pior.
Como
vê a crítica de que a lista criminaliza os partidos e a atividade política?
É uma forma de inibir a atividade do Ministério Público e da Justiça. Os
políticos corruptos nunca temeram a Justiça. O que eles temem é a opinião
pública e a mídia. Eles temem vir à tona tudo aquilo que praticavam. O MP e a
Justiça são tão burocratizados que se consegue mais rápido uma punição
denunciando, tornando público aquilo que eles pretendem manter na penumbra.
A
Lava Jato demorou para alcançar o PSDB, dando a impressão de que os tucanos
foram poupados e o alvo principal seria o ex-presidente Lula.
Eles começaram pelo que estava mais presente, em exposição, num volume
maior. Toda essa sujeira, essa promiscuidade não foi invenção nem de Lula nem
do PT. Já existe há muitos e muitos anos. Só que se fazia com mais discrição,
ficava na penumbra. Isso veio à tona a partir do mensalão, e agora com o
petrolão. Na medida em que foram ampliando essa investigação vieram os outros
partidos. Estavam todos coniventes, no mesmo barco. Aliás, o PT só chegou a
fazer o que fez porque teve o beneplácito do PSDB e do PMDB.
A lista pode
acelerar a aprovação da lei de abuso de autoridade?
Eu acredito que sim. A instauração dessas investigações era necessária
para depurar o sistema. A solução não será a que nós poderíamos esperar, a
investigação e depois a punição. Acredito que haverá um “acordão”.
Como
a nova lei de abuso pode afetar o Ministério Público e o Judiciário?
Haverá uma inibição natural para a atuação do Ministério Público e da
própria Justiça. Haverá o receio de uma punição administrativa. Isso inibe um
pouco a liberdade da magistratura e, principalmente, dos membros do Ministério
Público.
A
Lava Jato cometeu excessos?
Houve alguns excessos, porque o âmbito de atuação foi muito grande.
Muitas vezes o excesso foi o receio de que a investigação fosse abafada. Acho
que esses excessos foram pecados veniais. Como ministra, vi muitas vezes o
vazamento de informações saindo da Polícia Federal e nada fiz contra a PF
porque entendi qual foi o propósito. Era tônica da sociedade brasileira
ser um pouco benevolente com a corrupção. Em razão de não haver mais a
conivência do Ministério Público e da Justiça com a corrupção é que os políticos
tomaram a iniciativa de mudar a lei, que existe há muitos anos.
A
lista pode abrir espaço para mudar o foro privilegiado?
Nós teremos uma revolução em termos de mudança total do sistema político
e do sistema punitivo, depois de tudo que nós estamos vivenciando.
Prevê
mudanças na questão da criminalização do caixa dois?
Sem dúvida alguma. Tudo estava preparado na sociedade para a conivência
com esses absurdos políticos. Estamos vendo no que resultou a conivência da
sociedade e da própria Justiça com essas irregularidades que se transformaram
em marginalidade do sistema político.
Acredita
que a lista estimulará o chamado “risco Bolsonaro”?
Eu não acredito, porque o povo brasileiro está ficando muito
participativo. É outro fenômeno que a Lava Jato provocou. Existe uma camada da
nossa população que ainda acredita nesses fenômenos de políticos ultrapassados.
Eu acredito que seja fogo de palha.
O
nome da senhora foi citado numa das delações por ter recebido dinheiro da
Odebrecht para sua campanha a senadora, em 2014.
Eu acho que foi R$ 200 mil ou R$ 300 mil, não me lembro. Não foi mais do
que isso. Mas não foi doação a Eliana Calmon, foi ao partido, ao PSB, que
repassou para mim. Esse dinheiro está na minha declaração.
Essa
contribuição compromete de alguma forma o seu discurso?
Não, em nada. Inclusive, depois da eleição, um dos empregados graduados
da Odebrecht perguntou se eu poderia gravar uma entrevista. Os advogados pediam
a pessoas com credibilidade para dar um depoimento a favor da Odebrecht, por
tudo que a empresa estava sofrendo. Eu não fiz essa gravação. Porque isso
desmancharia tudo que fiz como juíza. E, como juíza, sempre agi como Sergio
Moro.
Frederico Vasconcelos - Folha
– Tribuna da Internet