Convidado para cantar no Carnegie Hall,
o coro brasiliense Tutti Choir sobe ao palco da casa americana com repertório
que homenageia movimento armorial
*Por Nahima Maciel
Subir ao palco do Carnegie Hall, em Nova York, é um
sonho que ronda 10 entre 10 artistas da música. Ali, aconteceram as estreias
mundiais de grandes clássicos da história da música, como a Sinfonia nº 9 –
Novo Mundo, de Antonin Dvorak, Um americano em Paris, de George Gershwin, e a
abertura para a ópera Candide, de Leonard Bernstein. É normal, portanto, que o
maestro Daniel Moraes, paraense radicado em Brasília, fale em palco mágico
quando se refere à casa, um prédio mítico de arquitetura neo-renascentista localizado
a duas quadras do Central Park. O maestro e seu Tutti Choir, formado por 32
vozes, embarcam para Nova York no final do mês para participar da estreia da
Missa de Alcaçus, do compositor Danilo Guanais, no Carnegie Hall.
O Tutti é
um coral novo, formado no ano passado por um grupo apaixonado por música.
Apenas cerca de 30% dos integrantes tem formação profissional em música e todos
são de Brasília. A iniciativa foi do maestro Daniel Moraes, proprietário da
empresa Soncietá, que organiza corais corporativos em programas de qualidade de
vida. Estão sob a regência de Moraes os coros do Banco do Brasil, do Ministério
da Educação e dos Correios. O Tutti Choir só é corporativo porque representa a
própria Soncietá, mas funciona em esquema de voluntariado: os integrantes são,
simplesmente, apaixonados por canto. Além de cantar em uma das mais
prestigiadas casas de espetáculos de Nova York, o coro também tem apresentações
agendadas na Our Lady of Pompeii Church e no Central Park.
Formado
em regência pela Universidade de Brasília (UnB), Moraes trabalhou, durante seis
anos, com o Coro Sinfônico da UnB, o primeiro coral brasileiro a subir ao palco
do Carnegie Hall, em 1994. “Eu não cantei com eles nessa ocasião”, lembra o
maestro. “E nunca pensei que fosse receber um convite desse para levar um grupo
para cantar lá. Dá uma responsabilidade grande de subir em outros palcos depois
disso. O Carnegie é, sem dúvida, um dos momentos mais importantes na carreira
de qualquer músico porque é uma referência de sala de concerto com qualidade”,
explica.
O convite
para o Tutti Choir veio do maestro Vladimir Silva, professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Regente do coro da universidade, que também vai
cantar em Nova York, ele recebeu o convite do Distinguished Concerts
International New York (DCINY), departamento responsável pela programação
internacional do Carnegie Hall. “Convidei o Tutti Choir para participar porque
é um coro de referência e o trabalho do maestro Daniel é sério e muito
engajado. É um grupo de 32 apaixonados por canto e coral que tem se dedicado
com muito afinco. É um trabalho de referência que tem um respaldo e, por isso,
a gente incluiu”, explica.
O
repertório foi escolhido pelo próprio Silva, que decidiu fazer uma homenagem
aos 20 anos da Missa de Alcaçus, um símbolo mais moderno do movimento armorial
de Ariano Suassuna. A peça nasceu em 1996 e a partitura tem prefácio do
escritor paraibano. Foi gravada e celebrada como o início de uma nova estética
armorial, já que veio ao mundo mais de duas décadas após os primeiros passos do
movimento. Silva pediu a Guanais que fizesse uma revisão da obra e a nova
versão terá estreia mundial no Carnegie Hall.
Escrita
para coro, dois solistas, conjunto de cordas e uma orquestra regional, a missa
foi modificada e a parte instrumental, adaptada para piano. A orquestra
regional foi mantida e a formação de zabumba, triângulo e agogô subirá ao palco
da casa ao lado do tenor Jonai Nascimento e da soprano Julie Cavalcanti. “A
peça é baseada no romanceiro de Alcaçus, uma coletânea de cantos que as
mulheres cantam nessa região, nos arredores de Natal”, explica o maestro. “O
romanceiro fala sobre canções de trabalho, amor, vida e morte, de reinos
encantados, e o compositor utiliza as melodias como base para composição.”
Carnegie Hall
Além do Coro Sinfônico, o Coro do Senado e o Coral Adventista de
Brasília também se apresentaram no Carnegie Hall.
Alcaçus
A Missa de Alcaçus foi inspirada numa
série de canções tradicionalmente cantadas por mulheres de Alcaçus, cidade do
interior do Rio Grande do Norte. O cancioneiro é herança colonial e vem de uma
tradição medieval de narrativas fantásticas. Quando Danilo Guanais compôs a
peça, ela logo passou a integrar o repertório do movimento armorial. A
heráldica com os símbolos que ilustram a capa do CD e os sons de rabeca
misturados ao ritmo do baião e das cavalgadas fizeram Suassuna se encantar pela
obra. A peça de Danilo Guanais tem todos os movimentos característicos de uma
missa e influências eruditas de nomes como Bach e Mozart, mas também uma
estética que se aproxima sem pudores da tradição dos cantores da cultura
popular nordestina.
(*) Por Nahima Maciel – Correio
Braziliense