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Lei do barulho


*Por Circe Cunha

Em passado não muito distante, morar nas superquadras das asas Sul e Norte tinha seu charme. Eram lugares seguros, limpos, silenciosos e mantinham aquele ar simples de cidades do interior, onde todos se conheciam e a vida seguia sem maiores sobressaltos. O atual governador, Rodrigo Rollemberg, morou com seus pais e irmãos numa dessas quadras e, certamente, vivenciou esse tempo em que a cidade ainda guardava algumas similitudes com o projeto original pensado por Lucio Costa.

Na concepção do urbanista que idealizou a capital, havia, além do engenhoso desenho técnico dos espaços e vias, a ideia de que as residências deveriam ficar afastadas do burburinho caótico dos centros da cidade, abrigadas e cercadas por uma generosa faixa verde, formada de árvores e jardins, para o conforto ambiental e sonoro de seus habitantes. Foi justamente na concepção desses espaços bucólicos que Lucio Costa revelou toda a sua genialidade.

Não há nada semelhante em todo o mundo. Muitos urbanistas e estudantes de arquitetura, de todas as partes do planeta, fazem referência a esse aspecto particular da cidade e sonham conhecer de perto a única cidade moderna que saiu inteira do papel. O tempo cuidou de cobrir com a poeira do esquecimento a ideia original e de substituí-la pela velocidade do progresso.

Com a chegada dos políticos, a cidade que foi pensada com a atenção dos sábios foi cedendo lugar à capital dos especuladores gananciosos e dos políticos espertalhões. A união desses dois personagens inaugurou o período de decadência da capital, transformando-a de patrimônio cultural da humanidade a mais uma típica cidade brasileira, cheia de problemas e vazia de soluções e ideias. Ficamos parecidos com aquilo que sempre rejeitamos. As seguidas crises fizeram o resto.

O comércio local, que antes servia para atender as necessidades básicas dos moradores da área, transformou-se em fonte de problema. Bares, biroscas, boates, casas noturnas, restaurantes e outras atividades do gênero foram chegando e se expandindo, invadindo áreas públicas, trazendo grandes aglomerações de públicos, gerando lixo e poluição sonora até altas horas da madrugada. Com estes novos inquilinos, vieram os problemas, a violência e a perda de qualidade de vida nestas localidades.

Agora, para colocar a cereja no alto do bolo, os diligentes distritais ensaiam alterar a Lei do Silêncio, passando de 55 para 70 decibéis à noite, chegando a 85 decibéis durante as festas do Momo. Todos os moradores dessas quadras sabem perfeitamente que esses níveis sonoros não são respeitados e não adianta chamar a polícia para mediar a algazarra. Aliada à nova lei dos puxadinhos, essa é mais uma medida que resultará na decadência acelerada dessas antigas áreas nobres. Bom ressaltar que festas familiares são bem diferentes dessa algazarra. São alegrias a compartilhar.


(*) Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio Braziliense – Foto: Josemar Gonçalves - Ilustração: Blog - Google

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