Nas
Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense
Correio Braziliense
O tom dramático de Dilma nos
remete a outros momentos da história, como o suicídio de Getúlio Vargas (1954),
a renúncia de Jânio Quadros (1962), a deposição de João Goulart (1964) e o
impeachment de Collor de Mello (1992).
Presidente do Instituto Ulysses
Guimarães, a fundação do PMDB, o ex-governador fluminense Moreira Franco é fiel
escudeiro do vice-presidente Michel Temer. Sociólogo formado na Sorbonne, foi
lançado na política pelo senador Ernani do Amaral Peixoto, um dos velhos
caciques do antigo PSD, que era seu sogro. “O PMDB não trai. Nós chegamos aonde
chegamos porque o PMDB não trai”, afirmou recentemente.
Na
ocasião, Moreira negou que a legenda estivesse articulando a destituição da
presidente Dilma Rousseff: “Hoje, até a presidente fala do impeachment como se
fosse uma coisa absolutamente natural, do ponto de vista institucional. E não
é. (…) Não somos golpistas”. Caso ainda fossem vivos, Ulysses Guimarães, o
grande timoneiro do partido, e Orestes Quércia, ex-governador de São Paulo,
diriam com certeza que não é bem assim. Ambos foram “cristianizados” pela
legenda nas campanhas presidenciais de 1989 e 1994.
Por isso
mesmo, vale revisitar as declarações de Moreira: “O que acho é que, neste
momento, nós precisamos muito mais de Getúlio (Vargas), que ganhou uma
revolução, comandou uma revolução dizendo que era contra, saiu até as vésperas
dizendo que não queria e estava organizando um Exército”. Moreira comparou
Getúlio com Brizola, que queria fazer “uma revolução sem ter Exército”, em
1964. Eis uma charada política, que nos remete a dois episódios da história do
Brasil.
Getúlio
Vargas havia sido derrotado por Júlio Prestes em eleições fraudadas, na qual
foi candidato da Aliança Liberal, depois de embromar Washington Luiz, de quem
foi ministro da Fazenda. Derrotado, o então governador do Rio Grande do Sul
voltou a enrolar Washington Luiz, até o momento em que mobilizou forças
políticas e militares suficientes para marchar até o Rio de Janeiro e tomar o
poder, em 1930.
Brizola,
também governador do Rio Grande do Sul, com apoio de militares nacionalistas e
legalistas, foi o líder do movimento popular de resistência que garantiu a
posse de João Goulart, vice-presidente da República, após a renúncia do
presidente Jânio Quadros, em 1962. Depois, se elegeu deputado federal pela
antiga Guanabara e foi um dos protagonistas da radicalização política que
desaguou no golpe militar de 1964. Exilado no Uruguai, Brizola tentou organizar
uma guerrilha na Serra do Caparaó, na divisa de Minas com Espírito Santo. Foi
desbaratada, sem dar um tiro, pela Polícia Militar de Minas.
O enigma
O vice-presidente
Michel Temer vem sendo ambíguo e enigmático como Getúlio Vargas. Na
quarta-feira, deu uma entrevista que foi interpretada pela oposição como a
senha para o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Defendeu um pacto
nacional “acima dos partidos, do governo, de toda e qualquer instituição”. Num
possível ato falho, declarou: “É preciso alguém para reunificar o país”.
Temer
estava dois tons acima da fleuma habitual, o que foi entendido como um
reposicionamento político, no qual quereria ser uma alternativa para comandar o
país diante do enfraquecimento e da desorientação política da presidente da
República. Tudo isso não passaria de mera especulação da oposição se a
interpretação não fosse a mesma dos ministros petistas Aloizio Mercadante (Casa
Civil), Edinho Silva (Comunicação Social), Miguel Rossetto (secretário-geral da
Presidência) e Jaques Wagner (Defesa).
Um
encontro de Temer com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), na
quinta-feira, pôs mais carvão no braseiro. Por essa razão, o vice-presidente
teve uma conversa com Dilma na quinta-feira, para a qual levou a transcrição
literal de sua polêmica entrevista e a leu para a petista. Explicou que tudo
não passava de especulação e intriga. Na mesma conversa, porém, diante do clima
criado, colocou o cargo de articulador político à disposição. Entretanto, não
pediu demissão.
Dilma
agradeceu, reiterou sua confiança e pediu que Temer permanecesse à frente da
articulação política. Não tinha outra alternativa, embora, nos bastidores, os
petistas propusessem que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o
Ministério das Relações Exteriores. Seria também uma maneira de blindá-lo com
foro privilegiado contra eventual citação nas delações da Operação Lava-Jato.
O
vazamento das conversas, porém, gerou uma onda de boatos de que Temer havia
deixado a articulação política e Lula reorganizaria a base do governo a partir
do Itamaraty. No mesmo dia, Dilma deu entrevista dizendo que aguentava pressões
e defendeu a legitimidade de sua eleição: “Sou uma pessoa que aguenta ameaças.
Sobrevivi a grandes ameaças à minha própria vida. Uma democracia respeita a
eleição direta pelo voto popular. Eu respeito a democracia do meu país. Eu
honrarei o voto que me deram”.
O tom
dramático nos remete a outros momentos da história, como o suicídio de Getúlio
(1954), a renúncia de Jânio Quadros (1962), a deposição de João Goulart (1964)
e o impeachment de Collor (1992). Nas três primeiras, havia uma conspiração
militar; na última, não. Qual deles mata a charada?