A maioria dos políticos cultiva o hábito de analisar os fatos
pela lente do seu estado. Encastelada em Brasília, o país é o seu reduto
eleitoral; a nação, o círculo interno de negócios e de amizades. Pensa pequeno,
age como míope, e reage como provinciana. Poucos tentam alargar os horizontes e
entender que, de Uruguaiana a Macapá, de Natal a Rio Branco, as distâncias são
extremas, embora menores do que os contrastes culturais, políticos, econômicos.
A
paranoia que tomou conta de algumas pessoas, cuja preocupação se concentra no
esforço para derrubar Dilma Rousseff, sugere algumas questões, a primeira das
quais é se acreditam que a maioria raciocina como elas. Dilma tem a guarnecê-la
o Partido dos Trabalhadores, inconfundível com o Exército de Brancaleone, e
legiões de beneficiários do bolsa família. Apesar de prisões e defecções, o PT
não deve ser subestimado porque tem muito a perder, e lutará com a faca nos
dentes para não decair do poder.
Mas não
apenas o PT. Como linha auxiliar existe a CUT, rica e turbulenta central
sindical, cujo presidente convocou os filiados a, se necessário, pegar em armas
e cavar trincheiras. À exceção da Força, a serviço dos objetivos de Paulinho,
as demais irão às ruas mobilizadas com o dinheiro espúrio do FAT. Além das
centrais, o MST, embora longe de ser milícia treinada, disciplinada e equipada,
como imagina Stédille, tem no histórico violentas invasões de propriedades
rurais indefesas.
Dilma
Rousseff, afinal, não é versão feminina do d. Quixote de la Mancha, o Cavaleiro
da Triste Figura, cujo único aliado era o inútil Sancho Pança. Se ocorrer
renúncia, inimaginável no caso da obstinada presidente Dilma, ou improvável
impeachment, como ficará o país ao se instalar o vazio do poder? Quem a
sucederá? Quem recolherá os despojos, com o ônus de convencer o povo de que
possui legitimidade para presidir nação dividida e estraçalhada? Como
recolocará nos trilhos a economia, o mercado de trabalho, as finanças públicas
e privadas, a taxa de juros, a inflação, a ética e a moralidade? Como formará o
ministério? Como se articulará com o Senado e a Câmara dos Deputados? Gozará de
crédito e se beneficiará de período de trégua que lhe permita governar?
Ninguém
se engane. O povo está impaciente. Quem assumir a Presidência da República sem
a consagração das urnas será alvo fácil de ferozes cobranças se não oferecer,
em poucos dias, resultados que não conseguiria ao longo de anos. Com escassos
recursos, combato o PT e Dilma Rousseff. Não por questões pessoais, que não as
tenho, mas por entender que o partido chegou ao governo recorrendo ao populismo
demagógico, à falsa promessa de extinguir a pobreza, à mentira, a acusações
levianas e à pior corrupção da história.
É por ser
contrário ao PT, a Dilma e Lula (o breve metalúrgico que, após rejeitar o
peleguismo, a ele se associou, discordo da ideia de retirá-la à força da
Presidência. Se o povo errou, deve aprender com o erro, para que nas próximas
eleições não seja ingênuo e acredite em falsos profetas.
Ademais,
inexiste oposição como força organizada. O PSDB nasceu de divisão, para padecer
de falta de coesão e de popularidade. O PMDB está marcado por se associar ao
lulismo e dar sustentação a desmandos petistas. Criado como MDB para se opor ao
regime militar, à medida que adquiriu poder entrou em crise de identidade. Hoje
se sente incomodado por se achar ligado à presidente Dilma, mas não se decide a
romper para vir a sentar -se na cadeira presidencial.
A
prudência recomenda que se deixe a decisão por conta do tempo. Afinal, não
dispomos de partidos dignos de pertencer à primeira divisão. Todos integram a
Série B, com alguns lutando para não serem rebaixados à Série C. A consolidação
da democracia longe está de ser assunto encerrado. Ouvem-se aqui e ali
protestos em favor do retorno ao autoritarismo, de pessoas que clamam pela
volta dos generais.
Não vejo
autoridade na Câmara dos Deputados e no Senado para determinarem o impedimento.
A cassação pelo Supremo Tribunal Federal é quase impossível. Em ambos os casos,
a Nação será vítima de perigosa fratura, com resultados imprevisíveis. Deixemos
o julgamento ao povo, em eleições livres. O voto universal é o único
instrumento politicamente válido para pôr e tirar alguém do Poder.
Almir Pazzianotto Pinto - Advogado,
foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho –
Fonte: Correio Braziliense – Foto: Google