O Congresso Nacional discute a manutenção ou a revogação do
Estatuto do Desarmamento. Parlamentares que tiveram suas campanhas financiadas
pela indústria de armas dominam a Comissão Especial que avalia a lei. Fosse um
tribunal, os juízes seriam declarados impedidos, pelo conflito de interesses.
Os que procuram derrubar a Lei de Controle de Armas alegam que favoreceu o
aumento da violência. Ao contrário, todas as pesquisas apontam o oposto.
Segundo os economistas Daniel Cerqueira (Ipea) e João Manoel de Melo (PUC/RJ),
antes da lei os homicídios por arma de fogo subiam a uma média anual de 8,36%
e, após sua implementação, a partir de 2004, esses índices despencaram para
0,56%. Isto é, sobe um pouco todos os anos, mas praticamente estagnou. Antes do
Estatuto, os homicídios subiam 15 vezes mais. Pesquisa corroborada pelo Mapa da
Violência 2015, do sociólogo Julio Waiselfisz (Unesco), concluiu haver o
Estatuto salvo 160.036 vidas em 10 anos, isto é, cidadãos que teriam morrido se
não fosse o impacto positivo da nova lei.
Como fica
Brasília no contexto nacional? Segundo o Mapa, a taxa de homicídios em 2012 era
de 30,3 por 100 mil habitantes, e a do país, 21,9. A ONU considera índices superiores
a 10 como “epidemia de violência”. Brasília é a oitava unidade da Federação
mais violenta. Entre 2002 e 2010, teve aumento de 41,1% de homicídios por arma
de fogo, enquanto em São Paulo esse registro caiu 58,6%; no Rio de Janeiro,
50,3%; e, em Pernambuco, 33,7%. Por que a diferença? Implementaram melhor a
lei, com apreensão de armas ilegais, controle do armamento policial, campanhas
de entrega voluntária de armas, e modernizaram as polícias.
Em
Brasília, apenas 5,7% das armas apreendidas entre 1992 e 2007 eram
estrangeiras; 86,6% eram nacionais, que por falta de fiscalização dos mercados
legal e ilegal ingressaram no DF. Segundo a PM, as blitzes foram
intensificadas, e 772 armas foram apreendidas nos primeiros quatro meses deste
ano, como em Ceilândia (133), Planaltina (103) e Samambaia (78). É um avanço,
mas não basta. É preciso investir na aplicação da lei, para facilitar o
trabalho e a proteção do policial. Por isso, o Estatuto é apoiado pelas
associações nacionais dos praças e oficiais da PM, e pelos secretários de
Segurança dos estados que reduziram a violência armada.
O projeto
do Estatuto foi feito pela sociedade, encampado pelos governos FHC e Lula,
aperfeiçoado pela Polícia Federal, e incorporou sugestões de parlamentares. Foi
debatido em todo o país, e votado pela unanimidade dos partidos, que colocaram
a segurança pública acima das rivalidades. Essa origem popular, como a da Ficha
Limpa, explica por que é uma lei avançada e democrática, copiada pela
legislação de vários países.
A lei estabeleceu
o controle de armas e munições. Conforme o Instituto Sensus, o controle é
desejado por 78% da população, que admitem a posse e o comércio de armas, desde
que controlados, mas são contra o porte, que se ande armado na rua. E é a
liberação do porte que pretende o lobby, para vender mais. Diz que deseja
“atualizar” a lei, mas propõe a volta da situação de descontrole da época da
ditadura, que garantia os lucros da indústria em detrimento da segurança da
população. O projeto de lei é indefensável, se não se desvendar por trás dele a
mão de empresários, tentando elevar de 300 para 5.400 o número de balas que
cada cidadão poderá comprar por ano.
O projeto
é tão esperto que pode ser lido como autorizando a compra de 28.200 cartuchos,
um arsenal para ser assaltado. Em 2003, segundo a PF, 26.908 armas foram
roubadas de residências. Pela proposta, os jovens, que hoje são os que mais
matam e mais morrem, terão a idade mínima para comprar arma reduzida de 25 para
21 anos. Os jovens vão matar mais, morrer mais? Não importa, a ganância de
aumentar as vendas fala mais alto. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
alerta: “Informações falsas são espalhadas por lobbies de indústrias
interessadas em ampliar seus mercados, visando obter lucros à custa da vida de seres
humanos”.
Os
especialistas apontam o risco de retrocesso, com a derrubada da lei. Waiselfisz
adverte: “Haverá uma explosão de homicídios se essa liberação do controle de
armas passar”. Para defender o Estatuto, estamos lançando a Frente Parlamentar pelo
Controle de Armas: pela vida e pela paz, constituída de parlamentares,
policiais, igrejas de diferentes credos e ongs. Espera-se que o Congresso vote
em defesa da segurança pública.
Por: Antonio Rangel Bandeira - Sociólogo
da Rede Desarma Brasil e do Viva Rio – Fonte: Correio Braziliense – Foto
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