Fundado a partir do Tratado de Assunção em 1991, o Mercado do
Sul ou Mercosul está prestes a completar um quarto de século, tempo mais do que
suficiente para a formação de opinião sobre a viabilidade prática dessa união.
Nesses 25 anos, o quadro político na região teve uma reviravolta geral,
principalmente com a ascensão de governos populistas nos principais estados
membros. Mais do que retrocesso, a chegada das autoproclamadas esquerdas ao
poder trouxe uma cartilha de procedimentos ideológicos (reunidas a ermo, mas
que resultaram num sarapatel em que misturavam ideários do Foro de S. Paulo,
bolivarianismo e outros exotismos) que foram estendidos à aliança comercial.
A “nova
integração da América Latina”, que passou a vigorar desde então, mudou os rumos
do Mercosul, agregando o elemento ideológico aos tratados de comércio comum, o
que, obviamente, resultaria em estagnação do mercado, quando não na própria
decadência. Os episódios envolvendo Paraguai e Venezuela resumem um pouco dessa
história. O fato é que, para o Brasil, o Mercosul se tornou elemento a mais de
preocupação, justamente pelos entraves que coloca para o deslanche de acordos
comerciais com outros parceiros fora do bloco. Hoje o Mercosul representa
apenas 8,6% do intercâmbio total de comércio do Brasil, recuando quase à metade
dos 16% alcançados oito anos atrás.
A crise
econômica elevou ainda as restrições ao comércio de bens entre o Brasil e seus
parceiros, fator agravado também pelo aumento do protecionismo generalizado, o
que tem levado o nosso país à posição de isolamento diante do Mercosul e das
cadeias globais de comércio que se apresentam. Esse isolamento afeta também as
negociações do próprio Mercosul. Destaque-se que três países firmaram acordos
conjuntos com o Brasil e o Mercosul: Israel, Egito e Palestina, todos envoltos
em conflitos internos de longa duração. A União Europeia aguarda, há anos, que
o Mercosul redesenhe o modelo negociador para que possa estabelecer relações
mais realistas.
A
liberalização tarifária proposta nas discussões sobre comércio entre os
continentes ainda não despertou o interesse dos parceiros. As chamadas
convergências normativas regulatórias, que poderiam deslanchar o comércio entre
ambos, não saíram do papel. O principal produto das negociações comerciais do Mercosul
com parceiros externos é a agricultura, que é, ao mesmo tempo, ponto forte e
tendão de Aquiles. Nesse setor, os acordos e tratados são movidos, em grande
parte, pelo elemento “concessões agrícolas”, o que emperra as negociações e
reduz os debates a temas como incentivos e protecionismos.
A questão
do engessamento do Mercosul, por contradições internas, ganhou dimensão tal que
se fala, inclusive, na saída do Brasil do bloco — solução negada, por enquanto,
pelas autoridades. A grave situação na Venezuela, arrastando a Colômbia para o
centro de conflito, representa mais um elemento complicador para o bloco já
cambaleante das pernas. Por seu tamanho e complexidade e pelo muito que já foi
construído até aqui, um recuo do Brasil seria muito mais prejudicial para
todos, sem exceção. Da mesma forma, a manutenção de um mercado comum do
continente nos moldes atuais significa o emperramento do importante setor de
comércio ou, pelo menos, a manutenção em ritmo insatisfatório, dado o potencial
do Brasil e de alguns dos parceiros isoladamente.
A questão
que se coloca agora é se a manutenção do Mercosul vale ou não a pena para o
Brasil. Na avaliação de um dos seus fundadores, o embaixador José Botafogo,
presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o Mercosul
ainda vale a pena, sobretudo quando se tem em mente que ,nas negociações
comerciais internacionais, ainda é atual o lema: “a união faz a força”.
Para o
economista Roberto Gianetti da Fonseca, a alta volatilidade das economias dos
países membros e a instabilidade política regional propiciam elemento
desagregador do bloco. “Do ponto de vista jurídico e institucional, diz, as
recorrentes violações tarifárias e regulatórias dos acordos do Mercosul geram
descrédito para o bloco. Fica, assim, difícil, se não impossível, negociar
acordos comerciais com outros parceiros, como a União Europeia ou os países
vizinhos da Aliança do Pacífico. Quem se aproveita disso é a China, que oferece
financiamentos de longo prazo à Argentina e à Venezuela em troca de acesso
privilegiado a seus mercados e concessões tarifárias unilaterais.”
Aliás, a
entrada da China nessas relações propiciou um elemento a mais de desagregação
do bloco, na medida em que aquele país fez aumentar os conflitos e as
rivalidades entre os países membros ao forçar a transformação do Mercosul em
área de livre comércio. A formação dos Brics, mesmo ainda em fase embrionária,
veio trazer um novo complicador ao bloco sul-americano, mais pelo poder
dispersivo do que por outra razão de fundo prático.
O fato
inconteste é que a participação do Mercosul na nossa pauta exportadora encolhe
a cada ano o que é agravado pelas amarras que são impostas ao Brasil nos
acordos com outros países e blocos. Contaminado, agora, pelas utopias
bolivarianas e distante do pragmatismo que se exige no mundo das relações
comerciais, o Mercosul se transformou hoje no nosso abraço de afogado. Com ele,
pelo menos vamos conhecer de perto o fundo do oceano, de onde poderemos
apreciar melhor as paisagens fantásticas das fossas abissais.
Por: Circe Cunha – Coluna: “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha
– Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog