O Congresso Nacional está a poucos passos de fazer
um desfavor para a sociedade. Empenha-se, mais uma vez, em afrontar uma regra
constitucional: o Estado brasileiro é oficialmente laico. Mas essa condição é
posta à prova dia após dia pelos parlamentares. A mais nova afronta é um
projeto de lei aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara
dos Deputados, de autoria do evangélico Eduardo Cunha, presidente da Casa, que
torna crime induzir ou auxiliar uma gestante a abortar, entre outras medidas. A
proposta, que agora vai a plenário, também dificulta o aborto legal, obrigando
a mulher a apresentar documentos que comprovem estupro. A justificativa?
“Prevenção” do aborto, devido, é óbvio, a convicções religiosas. Na prática, é
mais um desrespeito à mulher brasileira, que sofre todo tipo de violência,
discriminação e preconceito.
Se aprovada, a lei vai dificultar ainda mais o
acesso da mulher a medidas profiláticas contra gravidez em caso de estupro, por
exemplo. A chamada pílula do dia seguinte está no centro desse debate, mesmo
que não provoque aborto — ela apenas evita ou adia a ovulação caso ainda não
tenha ocorrido. Católicos e evangélicos, no entanto, a consideram abortiva. A
proposta também deixa a critério da “consciência” do farmacêutico vender ou não
determinado medicamento. O texto é vago, não especifica quais substâncias podem
ou não ser fornecidas.
Os senhores parlamentares devem partir do
pressuposto de que uma mulher considera banal um aborto, um ato de violência
extrema contra ela própria. Nenhum ser humano se submete a tal procedimento ou
risco por esporte. É óbvio que uma mulher não faz um aborto sem um fortíssimo
motivo. Mas o Congresso ainda trata o tema com leviandade, sem observar a
questão pelo âmbito da saúde pública. Milhares de mulheres morrem hoje por
causa de abortos malfeitos.
O governo federal sabe disso, mas também não teve
coragem para enfrentar o debate com seriedade. Deixemos novamente para o
futuro. O risco é uma volta ao passado nas conquistas já obtidas. Com um
Congresso a serviço da “moral e dos bons costumes”, e tão pouco preocupado com
a própria ética, é bem possível que daqui a pouco passem a questionar até o
direito à contracepção. Espero que não cheguemos a tal nível.
Por: Ana Dubeux – Editora Chefe do
Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog-Google