"A pedagogia brasileira considera como doença o déficit de atenção
dos alunos, sem perceber o déficit de atenção dos governantes com a escola e
seus alunos."
Impossível uma criança não sofrer déficit de atenção em aula para turmas
diferentes na mesma sala, dividida por meia-parede, às vezes por um simples
móvel entre duas ou mais turmas; ou em uma sala de aula deficiente, com bancos
desconfortáveis onde os alunos se sentam. Os baixos salários dos professores e
suas constantes greves são déficit de atenção dos governos com a educação e
provocam obviamente déficits de atenção das crianças nos seus estudos. Difícil
não haver déficit de atenção do aluno quando o professor usa quadro-negro no
lugar de lousas inteligentes e outros equipamentos de tecnologia da informação
para crianças da era da informática e dos celulares, nascidas no século XXI.
Injustificável jogar sobre as crianças a razão do déficit de atenção que
elas têm. Apesar disso, tratamos o problema do déficit de atenção das crianças
como um problema biológico, de hormônios; psiquiátrico, de desajustes; ou mesmo
neurológico, de disfunções. O déficit de atenção é do Brasil para com elas, ao
não lhes oferecer as condições ideais em boas salas de aulas, climatizadas, bem
equipadas, com professores muito bem remunerados, preparados e motivados.
A escola é um exemplo, mas não é apenas em relação a ela que o Brasil
padece de déficit de atenção.
O país tem déficit de atenção para com suas florestas, seus rios, suas
cidades, seus pobres. As doenças endêmicas que molestam milhões de brasileiros
por ano, o descuido com os sistemas preventivos e o abandono dos hospitais são
o resultado do déficit de atenção com a saúde pública. As mortes no trânsito ou
por violência também seriam evitadas se o Brasil não tivesse déficit de
atenção; cada ano, acidentes com deslizamentos de encostas seriam evitados com
um pouco de atenção. Há déficit de atenção quando fazemos projetos de
infraestrutura sem reservar os recursos necessários, nem cuidamos da qualidade
da obra, e especialmente quando não impedimos corrupção de sobrepreços e
propinas.
O próprio déficit fiscal, além de crime de responsabilidade, é também um
déficit de atenção dos governos com o valor da moeda.
Nossa preferência pelo consumo no presente, sem preocupação com poupança
para o futuro; a opção pelo ensino superior, deixando de lado a educação de
base; o desprezo à ciência, à tecnologia e à inovação são decisões tomadas com
déficit de atenção ao país. As políticas dos governos brasileiros e o
comportamento de nossa população se caracterizam por déficits de atenção.
O Brasil padece de déficit de atenção, e a culpa não é das crianças.
Como cada criança não aprende por déficit de atenção no estudo e compromete seu
futuro pessoal, o Brasil compromete nosso futuro nacional por déficit de
atenção com seus problemas.
(*) Cristovam Buarque é
professor emérito da UnB e senador pelo PDT-DF – Fonte: O Globo