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“órfãos” por Jane Godoy

"Os leitores devem ter observado o silêncio da coluna, depois de três domingos consecutivos de comentários e lamentos sobre o que está acontecendo no Lago Sul."

Adotamos, propositalmente, uma postura de silêncio, o que não nos impediu de estarmos atentos e observando tudo à nossa volta. Torcendo, acreditem, para que tudo o que escrevemos naqueles três domingos nos desmentisse, nos provasse e aos leitores, que aquilo não passava de preocupação exacerbada, de premonições infundadas e que, contrariando nossas previsões, nada daquilo estava acontecendo.

Ao contrário, tudo estaria maravilhoso, paradisíaco, confortável, cuidadoso, vigilante. Nada do que dissemos teria acontecido, o que não passaria de elucubrações pessimistas, talvez causadas pelo desconto de ver a orla do lago invadida por quem, numa visão preconceituosa, não deveria estar lá.

Como gostaríamos, de verdade, que estivéssemos sendo desmentidos!

Como gostaríamos de apreciar as “praias” lacustres cheias de banhistas protegidos, com uma infraestrutura impecável, com banheiros, salva-vidas preparados, policiamento ostensivo e defensivo, orientação para pais e banhistas sobre os riscos de estar ali despreparados.

Como gostaríamos de ver, espalhadas por toda a orla liberada ao povo, sob a alegação de que “o lago é dele”, que postos de atendimento aos banhistas fossem instalados, como no Rio de Janeiro e demais cidades litorâneas, protegendo a todos com os cuidados e desvelo que merecem.

Como gostaríamos que vigilantes uniformizados e capazes informassem aos banhistas sobre noções de higiene, civilidade e cuidados para com o meio ambiente;

Contêineres coletores de lixo por todos os lados e, por que não?, advertência sobre a sujeira deixada naquelas áreas, antes tão bem cuidados e protegidas, por conta dos moradores daquela orla;

Como gostaríamos de ver as crianças sendo assistidas com primeiros socorros ao cortarem seus pés nos cacos de vidro deixados por todo lado, em meio a dejetos humanos, sobras de comida trazida em quentinhas, fraldas descartáveis para todo lado, latas e garrafas espalhadas ...

Cansamos de esperar. Ao contrário, depois de tanta destruição, o que vimos foram cenas dantescas, como se soltassem uma boiada desenfreada, naquilo que, de forma criminosa, inconsequente e preconceituosa, jogassem o povão, então “dono do lago” de forma desprezível.

Foi o mesmo que dizer: “Vocês não queriam a orla do lago? Lá está ela. Agora é de vocês. Desfrutem e se virem! “

E deram a eles o resto, o restolho, o mato, o desconforto, a terra, as cobras, as moitas servindo de banheiro e, como vimos no fim de semana do Dia da Criança, a morte.

Isso mesmo. A morte de três pessoas que, se achando o máximo naquele lago que agora “é deles”, viram suas vidas interrompidas pelo descaso, pelo desprezo de uma administração que deveria ter colocado ali pessoal especializado em primeiros socorros, placas de sinalização indicando a profundidade do lago naquela área, sinais de alerta, de “proibido nadar naquele local” e muito mais.

Crianças “nadando” segurando garrafa pet. Homens com garrafas de cerveja dentro dágua.

O que mais nos entristece é que, para os novos “donos do lago” tudo está uma beleza. Não percebem o descaso, a falta de respeito e cuidados para com eles, deixando-os “ao deus-dará”, pois o trabalho hercúleo do Corpo de Bombeiros não consegue dar vazão à demanda de tantos banhistas deslumbrados com a ideia de estar no lago, mesmo vendo que foram “jogados” no lago de qualquer jeito, sem a menor preocupação

No Parque da Asa Delta, fechado por uma corrente e um grande cadeado, sem explicações, vimos o alambrado ser cortado, para que aqueles que vieram de longe pudessem passar e curtir aquele espaço. De nada adiantou a corrente, o cadeado. Arrebentaram, e pronto. Quem estava lá para advertir, avisar da proibição? Ninguém!

Por isso, escolhemos, para a matéria de hoje, o título “órfãos”.

É como nos sentimos e como todos os novos “donos do lago” deveriam se sentir: Órfãos.

Como dizem os jovens: “Tipo assim. Se danem. Não queriam se apossar da orla do Lago Paranoá? Agora se virem!”



Por: Jane Godoy – Coluna 360 Graus - Correio Braziliense – (Foto: Arquivo pessoal)

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