Ontem, não havia trabalhadores no local, que estava
trancado com cadeados: mistério sobre os motivos da obra
Agefis, Ministério Público e Iphan tomam providências para que a reforma no edifício tombado seja interrompida até apresentação de documentos. Filha de Lucio Costa pede que o governo transforme o local em centro de referência histórica
As obras do Touring Club, iniciadas sem autorização do governo ou da Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), estão embargadas. Após uma intensa mobilização nas redes sociais, a Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) embargou a intervenção na arquitetura do prédio até que sejam apresentados o alvará de construção e a licença de funcionamento. O Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) e o Iphan também tomaram providências no sentido de paralisar a descaracterização do imóvel, que é tombado como patrimônio.
Por meio de nota, a Agefis
informou que, em caso de descumprimento do embargo, o responsável será multado.
O governo não informou quem é o proprietário do Touring Club ou quem foi
notificado pela obra irregular, sob o argumento de que é um procedimento padrão
para todos os casos de atuação da Agefis. O Correio apurou que houve uma
consulta informal do responsável à Secretaria de Gestão do Território e
Habitação (Segeth) sobre a possibilidade de ocupação do espaço por instituição
religiosa. A resposta teria sido negativa.
Na tarde de ontem, nenhum
funcionário apareceu para trabalhar. As grades estavam trancadas com cadeados.
Do lado de fora, é possível ver os restos da demolição das paredes. O
Ministério Público abriu procedimento para apurar quem é o responsável pelas
demolições e se essa pessoa ou empresa obteve as autorizações previstas em lei
para fazer a alteração no imóvel tombado. Na tarde de ontem, uma arquiteta do
órgão fotografou a construção e deixou o local sem dar entrevista. A promotoria
que cuida do caso não quis fazer declarações. Por meio da assessoria de
imprensa, afirmou ter expedido ofício com pedido de informações ao Centro de
Aprovação de Projetos, ligado à Secretaria de Gestão do Território e Habitação
(Segeth), e ao Iphan, sobre possíveis consultas e autorizações feitas por esses
órgãos. Também enviou ofício à Agefis para que fizesse uma vistoria.
Em nota, a superintendência do
Iphan destacou a importância do edifício e informou que o tombamento de um
imóvel não interfere, necessariamente, na propriedade dele nem em seu uso —
exceto quando prejudica ou é danoso ao bem em questão.
Apesar de o Touring se tratar de
propriedade particular, o órgão federal destacou que “toda e qualquer
intervenção no imóvel tem que ter autorização do Iphan e também do GDF”. E que
já tratou desse assunto com a Segeth e a Secretaria de Cultura com a intenção
de “avaliar as intervenções e as medidas conjuntas que podem ser tomadas entre
governo federal e governo local sobre o assunto”.
Reação
Na internet, foi lançado, ontem à
noite, o movimento Touring para todos os brasilienses, desapropria governador!,
com ato marcado amanhã, às 12h30, em frente ao prédio. É mais uma entre outras
iniciativas de repúdio à cessão do espaço para uma igreja evangélica. Ainda na
sexta-feira, Maria Elisa Costa, filha do urbanista Lucio Costa, postou em uma
rede social, com o título “Socorro”, toda a indignação com a notícia de que o
espaço projetado para abrigar atividades culturais não teria esse fim.
Procurada na tarde de ontem, Maria
Elisa respondeu, por e-mail, que “a única coisa que importa agora é que o GDF
cancele já a concessão feita, e num segundo momento desaproprie esse espaço
único em Brasília, em função da sua localização no cruzamento dos dois Eixos,
para que ali seja instalado um Centro de Referência da história de Brasília,
conjugando atividades culturais de várias naturezas. É tão óbvio que não dá pra
escrever mais a respeito!”
Professor de arquitetura e
urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), Frederico Holanda classificou como
absurda a tentativa de ocupação do prédio por um templo religioso. “É
absolutamente ilegal. Aquele não é um lugar previsto para templos. É um setor
cultural e se está acontecendo isso, é um absurdo inadmissível.”
Memória - Foi
até posto de gasolina
O prédio de Oscar Niemeyer,
tombado em 2007 como patrimônio histórico, teve diversas funções — menos a
original. Lucio Costa chegou a pensar o local como Casa de chá, mas o projeto
não foi para frente. Começou como sede da Fundação Touring Club do Brasil, com
o objetivo de divulgar o turismo no país e expor automóveis. Depois, serviu
como posto de gasolina e oficina mecânica. No mesmo ano de tombamento, recebeu
a Casa Cor, evento de decoração que ocorrer em diversas capitais. De 2008
a 2014, o GDF usou o edifício para atendimento de várias unidades da Secretaria
de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest). No ano passado, o
governo passou a utilizar a parte de baixo do prédio para abrigar o terminal de
ônibus do Entorno, onde 300 mil pessoas passam por dia.
Fonte: Adriana Bernardes – Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Pres – Correio Braziliense