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#ENTREVISTA: “Para o PT, talvez fosse melhor ter perdido as eleições de 2014”, diz brasilianista

O brasilianista David Samuels, professor de ciência política, em sua sala na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos (Foto: David Sherman/Época)
O cientista político americano, David Samuels, que concentra seus estudos no PT e no governo Lula, afirma que “não é hora de dizer com muito orgulho ‘eu sou petista’
Nos últimos 25 anos, o brasilanista David Samuels concentrou boa parte de seus estudos sobre o país no PT, em Lula  e nos governos petistas. Ph.D.  em ciência política pela Universidade da Califórnia e professor da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, Samuels, de 48 anos, analisa com surpreendente complacência o envolvimento de Lula e do PT no pretrolão, ao considerar as denúncias da Lava Jato como parte do jogo político e não como produto de investigações independentes. Também afirma que o desgaste do partido tem mais a ver com o desempenho de Dilma no governo do que com as irregularidades praticadas pelo PT no poder desde a primeira gestão de Lula. Ainda assim, Samuels não poupa o PT e suas lideranças de críticas pesadas e vê um destino sombrio para o partido no horizonte, se a situação da economia não melhorar nos próximos anos. Nesta entrevista exclusiva a ÉPOCA, ele afirma que, hoje, “o PT não tem mais a mesma aura” e que "talvez fosse melhor o PT ter perdido as eleições de 2014”. Confira abaixo os principais trechos.

ÉPOCA – No começo dos anos 2000, o senhor disse que a conquista de milhões de eleitores pelo PT era algo que duraria décadas e transformaria o PT numa força dominante. O senhor ainda pensa assim?
David Samuels
 – Acho que vou ter de repensar um pouco isso. Eu desejaria ter uma bola de cristal, mas sei que o nível de petismo no eleitorado diminuiu bastante. Mas, hoje, talvez, estejam sentindo um pouquinho de vergonha de ser petistas. Não é a hora de dizer com muito orgulho “sim, eu sou petista”. Muitos petistas estão no armário, reconhecem que o partido hoje não está fazendo um bom trabalho, mas simpatizam com o partido. Também acontece isso com os partidos nos Estados Unidos, mas volta com o tempo. Talvez, em 10 anos, o número de petistas volte a subir. Ainda há muita gente que é petista, embora seja possível que o número esteja realmente mudando. A identidade partidária é algo mais ou menos permanente. Pode ser ativada ou desativada de acordo com os fatos ou contextos. Alguém pode apoiar o Partido Democrata, mas não gostar do (Barack) Obama (presidente dos EUA).
ÉPOCA – Muita gente parece desapontadas com o que o PT fez no poder. O senhor acha que o PT perdeu a sua aura?
Samuels
 – Certamente. O partido não tem mais a mesma aura de alguns anos atrás. A forma como lidou com o poder realmente afetou essa aura. Acredito, porém, que isso tem um a ver com a Dilma. Ela tem uma relação distante com o partido e arranhou o partido. Já Lula foi um fundador do partido. A gente poderia dizer que ele também teve uma relação distante com o partido durante os seu período no governo. Isso acontece em vários países com regime presidencial de governo. Ainda assim, as pessoas o reconhecem como a alma do partido. A Dilma, não. Não tinha relações com o partido quando foi nomeada por Lula. Isso fez as coisas mais difíceis para o PT. A Dilma pertence ao PT, mas não é realmente do PT. O partido ficou com muito do aspecto negativo, mas não positivo, de seu governo.
“Se você odeia o PT, por que não deixa eles se esborracharem por mais três anos? Por que transformar Dilma num mártir e dar ao Lula a possibilidade de falar “esse pessoal vai destruir tudo o que nós fizemos'?!?"

ÉPOCA – O PT não está colhendo aquilo que plantou em quase 15 anos de governos petista no país?
Samuels
 -  Há uma conhecida teoria entre cientistas políticos sobre os custos de ser governo. Certamente, quanto mais alguém ficar no poder, mais as pessoas tendem a desaprová-los. Fica cada vez mais difícil para o partido atender às expectativas. Você vê um pouco disso no Brasil. De um lado o PT tem a celebrar que ganhou quatro eleições seguidas, mas de outro lado o que eles têm a mostrar? Está trazendo retornos negativos nesta altura. Talvez tivesse sido melhor se o PT tivesse perdido as eleições no ano passado. Agora, seria o Aécio que teria de lidar com a situação terrível da economia. Não acredito que a economia estaria muito melhor do que está se Dilma não fosse a presidente agora. Talvez, o Aécio estivesse com 10% de popularidade.
ÉPOCA – Desde o mensalão o PT nunca reconheceu qualquer responsabilidade nos escândalos em que se envolveu. Isso não contribui para agravar o problema?
Samuels
 – A questão é como admitir que houve problemas e depois convencer as pessoas que eles foram resolvidos e que os envolvidos foram expelidos do partido. O PT nunca tratou isso adequadamente. Eles não acreditam que cometeram qualquer irregularidade. A primeira coisa que você tem de fazer para superar um problema é reconhecer que tem um problema. E eles não fizeram isso.
ÉPOCA – O que o senhor pensa da proposta do impeachment de Dilma?
Samuels
 – Eu sempre fui meio cético de que ela sofreria um impeachment. Não tanto pelas evidências. A proposta por trás do impeachment é estranha. Quem se beneficiaria hoje com o impeachment? Não está claro para mim quem realmente gostaria de governar o Brasil atualmente. Minha questão é a seguinte: se você odeia o PT, por que não os deixa se esborracharem por mais três anos? Se houvesse uma eleição hoje, o PT não teria e menor chance. Se a situação não mudar muito até 2018, o PT não terá chance. Então, por que fazer do PT um mártir, uma vítima da oposição? Por que transformar Dilma num mártir e dar ao Lula a possibilidade de falar “esse pessoal vai destruir tudo o que nós fizemos, arruinar tudo para os pobres” e dar-lhes essa oportunidade? Os eleitores têm uma memória muito curta. Eles não vão se lembrar os argumentos legais sobre o impeachment, quem é responsável por qual caso de corrupção. Se não está claro para mim que o PT é mais corrupto que os outros partidos, você acha que os eleitores vão distinguir isso? Não acredito. Eles acham que é tudo farinha do mesmo saco. A proposta de aprovar o impedimento de Dilma é um jogo de curto prazo. Se você for um jogador de xadrez, não é uma jogada esperta impedir Dilma. Em 2016, o PT deve perder muito de seu apoio e em 2018 deve ser ainda pior. O jogo de longo prazo para quem joga o jogo político é esse.
“Normalmente, falam que o PSDB fica em cima do muro, mas hoje é o PMDB que está em cima do muro, porque está muito dividido. Há os que querem ser oposição e os que querem ser situação”

ÉPOCA – Como o senhor vê a ação da oposição nos últimos meses, a articulação no Congresso contra Dilma e o PT e a favor do impeachment?
Samuels
 – É estranho. É por isso que sempre acreditei que o impeachment não iria para a frente. Na liderança da oposição, você tem o Eduardo Cunha, que é do PMDB, um partido que faz parte da coalizão governamental. É um paradoxo. O Michel Temer, vice-presidente do Brasil, é membro do PMDB, que tem vários ministros do governo. Nunca há um caso na história mundial de um presidente sofrer um impeachment com apoio de um partido que faz parte da coalizão governamental. Todas essas pessoas teriam de renunciar e o PMDB teria de estar na oposição de fato, sem posições no gabinete. Nada de cargos no segundo escalão, terceiro escalão. Aí, eu mudaria a minha posição e diria que a Dilma poderia sofrer um impeachment amanhã. Mas eu duvido de que o PMDB vá abrir mão de todos esses cargos de comissão, de ministérios. Normalmente, falam que o PSDB fica em cima do muro, mas hoje é o PMDB que está em cima do muro, porque está muito divido. Há os que querem ser oposição e os que querem ser situação. Mesmo que a convenção do partido, em março, decida se afastar do governo, o PMDB não é um partido muito centralizado e muitos parlamentares podem continuar a apoiar o governo.
ÉPOCA – Em relação ao papel dos partidos que são efetivamente de oposição, como o PSDB, qual é a sua visão?
Samuels
 – É estranho para mim também por que alguns partidos da oposição estão à esquerda do PT, como a Marina Silva, e alguns são da extrema direita. Não é uma oposição programática ao PT. Fora isso, alguns desses partidos também estão divididos. Alguns têm posições no ministério ou no segundo escalão. Acredito que isso é parte do jogo político dos partidos que querem uma fatia maior do governo. Todo partido quer isso. É normal na política. Uma crítica forte aos governos Lula e Dilma é que o PT teve mais peso do que merece. Isso é verdade. É difícil para o PT saber como compartilhar o poder. É um problema dos partidos de esquerda. A grande questão é como compartilhar o poder num governo de coalizão.
“As soluções de esquerda são cada vez mais difíceis de serem implementadas na prática. O que significa exatamente ser de esquerda hoje? Eu nem sei se alguém tem a resposta para essa pergunta”

ÉPOCA – Em sua opinião, o que fez a direita sair do armário no Brasil depois de tantos anos?
Samuels
 – O pêndulo virou contra governos esquerdistas na América Latina. Não é só no Brasil que o governo está tendo problemas, mas em toda a região. Em parte porque o contexto internacional mudou. Os governos começaram a ter problemas fiscais e não têm sido capazes de atender às promessas feitas nas campanhas eleitorais. Agora, estão tendo de dizer que vão ter de cortar alguns programas sociais. Então, as pessoas estão desapontadas e bravas. Isso também é parte de um contexto global mais amplo, em que soluções de esquerda são cada vez mais difíceis de serem implementadas na prática. Nos anos 1980 e 1990, com o fim da União Soviética, houve uma descrença total naquela forma de governo. O que significa exatamente ser de esquerda hoje? Eu nem sei se alguém tem a resposta para essa pergunta hoje. Há também uma aproximação maior de grupos conservadores da América Latina com grupos conservadores americanos. Com a globalização, a evolução tecnológica da mídia e das comunicações, o surgimento das redes sociais, como o Facebook, o Twitter e o e-mail, é muito mais fácil coordenar informações e ideias hoje.
EPOCA – Como o senhor vê os grupos que surgiram nos últimos tempos defendendo o retorno dos militares ao poder?
Samuels
 – Eles são insignificantes.
ÉPOCA – Mas eles não existiam antes...
Samuels
- Eles existiam, mas não faziam barulho.
ÉPOCA – É verdade, mas eles não faziam barulho antes e agora fazem...
Samuels
 – Como boa parte da América Latina, o Brasil passou por uma fase em que muitas pessoas aceitavam a ditadura militar. De repente, muitas pessoas mudaram de ideia. Elas pensaram “isso não está funcionando tão bem, devemos ter democracia”. As pessoas que apoiavam as causas conservadoras foram para a sombra e silenciaram, porque o pêndulo se afastou da ditadura. Hoje, na América Latina há diversos partidos de esquerda governando, como no Brasil. A esquerda teve a oportunidade de governar. As pessoas disseram: “A União Soviética está morta, não há uma situação revolucionária. Então, vamos dar uma chance para esses caras”. Nos anos 2000, as coisas estavam andando razoavelmente bem para a esquerda. O próprio Lula disse que todo mundo estava feliz durante a sua gestão. Algumas pessoas estavam mais felizes que outras, mas as coisas estavam indo bem de um ponto de vista razoavelmente objetivo. Então, os conservadores – e o Brasil é conhecido por ter em sua classe política um grande número de políticos que não admitem pertencer à direita, isso é um fato conhecido. Há até um livro que afirma isso, do Timothy Power, da Oxford University. Hoje, há um ressurgimento disso. As pessoas estão mais propensas a dizer “eu sou um conservador” e em se posicionar em causas conservadoras no Congresso. Acho que isso é saudável para a democracia. Temos de ter um debate.
“Se a economia brasileira piorar ainda mais, nenhum partido vai querer se aliar ao PT em 2018. Não vejo uma perspectiva muito positiva para o PT

ÉPOCA – Fala-se hoje que o PT e Lula estão articulando uma espécie de Frente Ampla das esquerdas, nos moldes do que foi feito Uruguai, para disputar as próximas eleições. O senhor acha que isso é possível no atual ambiente político?
Samuels
 – Não. Quem seria o candidato? Lula? Olhando em perspectiva, se a economia brasileira piorar ainda mais, nenhum partido vai querer se aliar com o PT. Se a economia ficar mais ou menos como está hoje, provavelmente vai ver os mesmos partidos, com exceção do PMDB, que estão hoje na coalizão que estavam juntos em 2014.  Os grandes partidos não vão se aliar ao PT em 2018. Não vejo uma perspectiva muito positiva para o PT, a não ser que a economia melhore de forma significativa – e, neste caso, tudo muda.
ÉPOCA – Como o senhor vê o futuro do PT? O PT vai voltar às suas origens de esquerda?
Samuels
 – Não acredito que haverá uma mudança ideológica para a esquerda. Não vejo muito futuro numa guinada radical à esquerda. Hoje, com a crise, a gente tende a esquecer que o PT é uma grande máquina, com milhões de filiados e diretórios em 5 mil municípios. O PT não vai acabar.  A fatia do PT no horário gratuito e no fundo partidário é enorme. Os partidos sobrevivem a crises o tempo todo. Eu espero que o PT continue a ser um competidor viável na disputa política do Brasil. A visão que emana dos encontros partidários é que o partido é perseguido, que todas as acusações são falsas, e essa é a grande montanha que o partido tem de escalar. Eles têm de convencer a população de que o PT é um partido honesto. A maioria das pessoas não vai acreditar nisso agora, talvez por boas razões. No momento, os brasileiros estão mais propensos a pintar o PT com esse pincel. Eles vêm esses casos de corrupção e concluem que o partido deve ser totalmente corrupto. É preciso convencer as pessoas de que talvez tenha havido algumas maçãs podres, mas não é como o partido é. É uma montanha muito alta que o partido terá de escalar.
ÉPOCA – Quando o senhor olha para o Brasil em perspectiva, depois desse governo, como o senhor vê o país?
Samuels
 – É um momento difícil para o Brasil. Sei que muitos analistas têm uma visão bem otimista do Brasil. Eu nunca fui tão otimista assim. Acredito que, nos últimos dois anos, os fatos me levaram a ter uma visão mais pessimista e reforçaram a interpretação de que a economia do Brasil ainda está muito ligada a fatores internacionais. Isso significa que o Brasil não tem controle suficiente sobre o seu próprio destino. A China e os Estados Unidos têm uma enorme influência na política doméstica brasileira e no sucesso ou fracasso econômico do país. Agora, o adiamento das soluções estruturais da economia do Brasil durante o governo Lula pode ter reduzido as chances de encontrar soluções para a crise hoje. Ele empurrou com a barriga vários problemas fiscais, aumentou o número de funcionários públicos, pressionando os fundos de pensão. São problemas difíceis de solucionar em qualquer época e quando os tempos são bons ninguém quer dizer “ah, mas os tempos não são tão bons”.


Por: José Fucs - Revista Época

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