Segundo especialistas, não há respaldo legal para a
instalação de cancelas nos blocos do Plano Piloto
Cancelas em prédios residenciais desrespeitam o
plano inicial de Lucio Costa, por bloquear acesso aos pilotis e estacionamentos
públicos. Moradores alegam falta de vagas e de segurança.
Os pilotis dos prédios residenciais de
Brasília foram criados com o propósito da livre circulação de todos
— contudo, não raro surgem casos de agressão ao plano inicial de Lucio
Costa. Em alguns pontos da Asa Sul, por exemplo, foram colocadas cancelas
que restringem o acesso tanto aos pilotis quanto ao estacionamento público. Os
moradores desses locais alegam que as vagas são constantemente ocupadas por
clientes das quadras comerciais, que ficam ao lado. Urbanistas e
autoridades, no entanto, afirmam que não há respaldo legal que justifique a
instalação da porteira eletrônica.
Um desses
casos ocorre no bloco B da 106 Sul. Mesmo em reforma, é possível ver a
estrutura onde funciona a cancela e, antes de se chegar ao pilotis, uma placa
direciona os visitantes a estacionarem do lado de fora. A única forma de
acessar as vagas do outro lado, que são públicas, é por baixo do bloco e,
consequentemente, pela grade. Um porteiro, que preferiu não se identificar,
conta que o bloqueio existe há três anos. A orientação é liberá-lo durante o
dia e fechá-lo pela noite.
O síndico
Douglas Pereira conta que o maior movimento de carros ocorre aos sábados
por causa dos restaurantes. “Nesses dias, você não consegue sair, os veículos
dos usuários trancam os veículos de moradores e ainda entram em alta
velocidade”, afirma. A falta de segurança na região também motivou a instalação
da barreira. “Já houve tentativa de furto de carros e só não conseguiram levar
daqui porque o vigilante telefonou para a polícia, e, mais tarde, os
bandidos foram presos”, diz.
A síndica
do Bloco G da 306 Sul, Simona Forcisi, 46 anos, acompanhou a instalação da
estrutura há cerca de três anos, erguida pelas mesmas razões do vizinho na 106
Sul. “A cancela é uma forma de intimidar a passagem dos veículos em alta
velocidade, principalmente de pessoas que bebem nos bares. A área é pública,
mas gostaria que todo mundo refletisse sobre como é chegar em casa cansado e
não ter como estacionar”, desafia. Forcisi garante que a cancela fica aberta
durante os dias e só é abaixada temporariamente nas noites de quinta, sexta e
sábado, quando há maior fluxo no comércio. Mesmo assim, a equipe do Correio que
esteve no local flagrou visitantes que preferiram não passar pelo bloqueio por
acreditarem que o estacionamento era privado.
Agressão ao patrimônio
Para o arquiteto e urbanista Frederico
Flósculo, os casos acima configuram dois delitos. “O primeiro é de cercar o
pilotis, que é uma área de acesso público, e o segundo é de privatizar o
estacionamento”, esclarece. Flósculo defende que a preservação do espaço
embaixo dos blocos residenciais deveria ser motivo de orgulho aos cidadãos que
vivem no Distrito Federal, pois é algo intrínseco à concepção da capital. “Está
no coração da ideia de Brasília. Esses moradores parecem não saber o que é o
lugar onde estão, que se trata de patrimônio cultural da humanidade. Isso
mostra uma mentalidade que beira a criminalidade, o que nós chamamos de
apropriação indevida”, lamenta.
Na visão
do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Nacional (Iphan), a instalação
de cancelas em pilotis são “uma agressão ao patrimônio urbano, desrespeito à
legislação e também ao artigo 245 do Código de Trânsito Brasileiro”, que coloca
como infração grave a utilização da via para depósito de mercadorias, materiais
ou equipamentos, sem autorização do órgão competente pela fiscalização. Por
meio de nota, a entidade informou ainda que “há, sim, problema de
estacionamento em alguns blocos residenciais de diversas quadras do Plano
Piloto. No entanto, isso não dá direito aos condomínios (ou qualquer outra
entidade) de privatizarem o espaço público. Não há nenhum amparo legal para
isso”. Procurada pela reportagem, a Agefis declarou que "um auditor irá ao
local esta semana para verificar as supostas irregularidades na utilização dos
pilotis.”
Fonte: Laura Tizzo – Especial para o Correio Braziliense – Foto: Gustavo
Moreno/CB/D.A.Press