Deputada Federal Érika Kokay (PT-DF)
No perfil da jovem que denunciou, no
Facebook, ter sido estuprada numa festa de réveillon, há postagens sobre
campanhas contra a violência à mulher e um vídeo com o pronunciamento da
deputada Érika Kokay (PT), que tem uma atuação forte nessa área. Na imagem, a
petista acusa o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) de fazer apologia ao estupro.
Kokay diz que não a conhece, mas vai acompanhar a investigação e o julgamento
do caso por considerá-lo emblemático.
Como avalia a repercussão sobre o
episódio? A jovem que denunciou a violência tem sido julgada negativamente e
desacreditada nas redes sociais...
Penso que é uma tentativa de
responsabilizar a vítima. É ela quem está sob julgamento. É da cultura
machista. O machismo se expressa de várias formas e essa é uma delas. É como se
a moça fosse de alguma forma culpada pelo que sofreu. Os fundamentalistas querem
modificar o conceito de estupro. O estupro é toda relação sexual não
consentida.
Acha que vale a pena expor publicamente
uma situação como essa?
Queria parabenizá-la pela coragem. Há
um número gigantesco de estupros que não são identificados porque a
vítima se cala. Busca-se roubar a própria voz da mulher, numa relação em que
ela se sente intimidada em denunciar. O estupro é uma desumanização da mulher e
a reação dela de denunciar representa uma voz que o machismo quer calar. Essa
coragem serve como exemplo. É preciso romper com essa naturalização do crime
que alimenta a impunidade.
Muita gente faz uma avaliação de que
não foi estupro porque a moça não gritou e não reagiu no momento…
O fato de não reagir não pode ser
fundamental para caracterizar se houve ou não estupro. Como disse, o estupro é
toda relação sexual não consentida. Para mim, o estupro foi ainda pior, porque
ele admitiu que ofertou a moça para outro, como se fosse uma coisa que lhe
pertencia, como se fosse uma propriedade dele. A fala dele é de uma violência
extrema. Ele diz que fez “porque ela quis”. Ele continua o processo de
desumanização da mulher.
Ficou impressionada com o relato do
suposto algoz?
Muito. É como se fosse a continuidade
do estupro. É como se ela não fosse nada. Casos como esse são emblemáticos. A
postura do Estado é que vai mostrar se vivemos numa sociedade que permite a
violência contra a mulher, que pereniza a impunidade.
Fonte: Ana Maria Campos – Coluna “Eixo
Capital” – Foto:Bruno Peres/CB/D.A.Press – Correio Braziliense
É crime sexual, avaliam especialistas
"O relato aberto e corajoso dessa jovem é um
indicativo de que essa relação não foi consentida. Ela está passando por um
grave julgamento moral, mas enfrentou isso para denunciar, Soraia Mendes,
professora e doutora em direito pela UnB
No caso relatado pela jovem, ela não se exporia
dessa forma na internet nem procuraria a delegacia e o IML, se não tivesse sido
violentada. É evidente que ela foi vítima de um estupro e que não consentiu
aquela relação Pedro Paulo Castelo Branco, juiz aposentado e professor de
direito penal da UnB
Para criminalistas e especialistas em
direito penal, o relato publicado pela estudante de 24 anos sobre o terror
vivido em uma festa de réveillon caracteriza crime de estupro. O fato de o
segurança Wellington Monteiro Cardoso ter conduzido a vítima embriagada para um
local ermo e ter mantido relações supostamente sem consentimento dela pode
levar à condenação do vigilante Wellington Monteiro Cardoso, acusado de
agressão sexual na primeira madrugada de 2016.
A
professora e doutora em direito pela Universidade de Brasília (UnB) Soraia
Mendes não tem dúvidas de que o relato publicado nas redes sociais pela
estudante configura estupro. “Ela foi retirada da festa em situação de
vulnerabilidade, por um homem que se apresentava como segurança, o que, por si
só, é ameaçador”, justifica a especialista. “O limite do consentimento é um
singelo ‘não’. O acusado afirma que ela teria se insinuado e justifica a
agressão dizendo que a relação teria sido consensual. Mas, independentemente se
houve flerte ou não, no momento em que a relação é negada, existe estupro”,
acrescenta.
Soraia
Mendes lamenta que as vítimas ainda sejam culpabilizadas. “O relato aberto e
corajoso dessa jovem é um indicativo de que essa relação não foi consentida.
Ela está passando por um grave julgamento moral, mas enfrentou isso para
denunciar”, afirma a especialista.
A
especialista cita dados de violência contra mulheres para justificar a
importância de jogar luz sobre casos como esse. “No Brasil, uma mulher é
estuprada a cada 11 minutos. No ano passado, 136 mil foram estupradas, mas
pouco mais de 40 mil registraram ocorrência. O medo, a vergonha, a
autoculpabilização e o descrédito do sistema de Justiça criminal fazem com que
ela não busque o sistema protetivo”, explica a doutora em direito penal.
Pedro
Paulo Castelo Branco, juiz aposentado e professor de direito penal da UnB, diz
que, se a mulher não tem condições de expressar a vontade, especialmente em
casos de embriaguez extrema, a relação sexual pode ser caracterizada como
estupro. “Se ela não tem condições de expressar a sua vontade e está sendo
levada a ato que, em sã consciência, não teria interesse ou desejo de praticar,
isso pode configurar o estupro”, afirma o especialista. “No caso relatado pela
jovem, ela não se exporia dessa forma na internet nem procuraria a delegacia e
o IML, se não tivesse sido violentada. É evidente que ela foi vítima de um
estupro e que não consentiu aquela relação”, acredita Castelo Branco.
Incapazes
A
professora de direito penal da UnB Beatriz Vargas afirma que uma relação sexual
sem consentimento deve ser classificada como estupro. Para ela, o fato de a
vítima estar embriagada só agrava o crime, pela vulnerabilidade. “É óbvio que
cada caso é um caso. Essas situações são muito delicadas e complexas e devem
ser analisadas individualmente pelo juiz. Mas podemos dizer, como regra geral,
que, se a pessoa está incapaz de emitir validamente seu consentimento, qualquer
tipo de atitude que prescinda desse consentimento seria, sim, uma violação. O
consentimento tem de ser expresso e por parte de alguém em condições de
consentir”, defende a especialista.
Para
Beatriz, a situação narrada pela estudante de 24 anos configura-se como estupro
de vulnerável. Esse tipo penal, normalmente, é usado para classificar agressões
sexuais contra menores de 14 anos. Mas Beatriz Vargas afirma que também pode
ser usado em casos de violência contra pessoas incapazes de oferecer
resistência, como é um caso de uma mulher em grave estado de embriaguez. A pena
é mais grave do que o crime de estupro e pode chegar a 15 anos de detenção, em
caso de fixação da pena máxima. Mas, para esse tipo de condenação, normalmente,
é necessária a produção de prova técnica.
A
Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) investiga o caso e não dá
maiores detalhes do inquérito. “Somente no momento oportuno, de forma a não
atrapalhar as apurações em curso, a delegacia irá se manifestar”, informou a
unidade, por meio de nota. O Correio entrou em contato com Wellington, que quis
dar entrevistas.
Para saber mais - Debate nas
telas
Um dos primeiros
grandes debates públicos sobre estupro e consentimento aconteceu em 1988, com o
lançamento do filme Os acusados (foto). A atriz Jodie Foster interpretou uma
mulher que, depois de beber muito e dançar de forma sensual em um bar, é
estuprada por vários homens. Após a agressão, ela tem de enfrentar um processo
de culpabilização da sociedade. O filme, baseado em fatos reais, deu o Oscar de
melhor atriz a Jodie Foster e abriu discussões sobre estupro.
Fonte: Correio Braziliense – Foto:
Dênio Simões/CB/D.A.Press