Semana do carnaval coincide com o fim do recesso da
Câmara Legislativa, que deve retomar o debate em torno da Lei do Silêncio. A
turma que defende mudanças no nível de ruído permitido ganha apoio de peso: a
bancada evangélica
O limite de ruído estabelecido pela Lei do Silêncio
não incomoda apenas os frequentadores de bares da capital. Das 1.594
reclamações de poluição sonora recebidas pelo Instituto Brasília Ambiental
(Ibram) em 2015, nem todas foram de moradores revoltados com o barulho de
botecos e festas. Muitas queixas partiram de regiões vizinhas a igrejas, o que
levou a polêmica legislação, que divide opiniões, a chegar ao ponto de unir
dois setores da sociedade com interesses aparentemente opostos: os religiosos e
os baladeiros. Essa união pode render a aprovação, na Câmara Legislativa, de
uma nova lei para o tema, a ser votada em 2016. Nesta semana, a volta ao
trabalho do parlamento coincide com a véspera de carnaval e o assunto deve
entrar em discussão.
No início do ano, Ricardo Vale (PT) propôs aumentar os limites
permitidos, de 55dB, durante o dia, e 50dB, à noite, para 75dB e 70dB,
respectivamente. Chegou a realizar uma audiência pública a respeito, em junho,
em que artistas e integrantes de conselhos comunitários bateram boca e quase
foram às vias de fato. A matéria, porém, não andou por falta de apoio. Mas,
agora, o cenário pode mudar: a bancada evangélica, a mais numerosa do
parlamento local, deve aderir à causa.
O distrital Rodrigo Delmasso (PTN) afirma que sua posição em nada tem a
ver com as recorrentes multas tomadas pelos templos, mas ele classifica a atual
legislação como “hipócrita” e acredita que mudanças são necessárias. “Eu e meu
colega Júlio Cesar (distrital do PRB e líder do governo) estamos dispostos a
intermediar uma negociação para chegar a um consenso. Do jeito que está não
pode continuar”, opina. Vale defende a alteração na legislação e está otimista
em relação à aprovação do projeto este ano. “É importante esclarecer que não
queremos liberar som alto no meio da quadra durante a madrugada. Pretendemos
mudar os parâmetros atuais. Hoje, uma roda com três pessoas extrapola o limite
permitido. E isso é um absurdo”, observa.
Grupo de trabalho
O governo local admite mudar a legislação e montou
um grupo de trabalho com as secretarias envolvidas para estudar o tema. O
secretário de Cultura, Guilherme Reis, afirma que os trabalhos são realizados
“a partir do projeto de Ricardo Vale” — o distrital, porém, não foi convidado
para os encontros. Reis lista uma série de fatores que levaram a situação ao
ponto de parecer impossível um acordo entre contrários e defensores da lei. “Os
comércios próximos às residências, aliados à grande circulação de pessoas, à
falta de estacionamento, ao vozerio e, eventualmente, à música, geraram um
caldeirão que tem incomodado uma faixa da população”, admite.
O chefe da pasta acredita que é necessário deixar de lado o radicalismo
para chegar a um ponto comum. Ele menciona algumas mudanças possíveis: “Estamos
nos baseando no projeto do deputado e queremos fazer outras propostas, porque a
gente acha que há, sim, como modernizar essa questão, há como pensar em
setorização da cidade, diferenciação de dias da semana. Uma coisa é a caixa de
som voltada para a rua, outra voltada para a quadra, por exemplo. É um problema
difícil de resolver e que envolve todo DF”, acredita.
Distância
Para Thiago Sombra, professor de direito civil da
Universidade de Brasília (UnB), o ideal seria que as festas fossem feitas em
locais mais afastados. Esse fato poderia elevar o limite de decibéis para 65 à
noite, em Brasília, se fossem deslocadas para áreas mistas com vocação
recreativa. “É o que é feito em países como França e Inglaterra, nos quais as
festas e casas de show ficam distantes do centro, para não atrapalhar a
vizinhança. Eles precisam de alvará a fim de fazer mais barulho e a
fiscalização é pesada”, conta o professor Thiago Sombra.
O especialista acredita que a falta de consenso em relação às leis do
silêncio no Brasil se deve à dificuldade de instrumentalizar a poluição sonora.
“A maioria das prefeituras não consegue mensurar e localizar os problemas. É
preciso fazer um mapa acústico para entender o que pode ser feito e se há
necessidade de alguma mudança na lei do silêncio”, afirma o professor.
Segundo ele, essa ferramenta tem sido bem implementada em cidades como
São Paulo e Fortaleza. “Em São Paulo, há um zoneamento muito bom, feito pelo
município. Em Brasília, por outro lado, não é muito claro, o que gera muitos
problemas, como o fechamento recente de alguns bares e as reclamações de
moradores”, afirma. Na Europa, zoneamento é regra. “As capitais europeias
investem em equipamentos adequados para isso. Todas as cidades são divididas em
zonas, que são estudadas meticulosamente para não ter esse tipo de
controvérsia”, explica Sombra.
"É preciso fazer um mapa acústico
para entender o que pode ser feito e se há necessidade de alguma mudança
na lei do silêncio”
(Thiago Sombra, professor de direito da UnB)
Pretendemos mudar os parâmetros
atuais. Hoje, uma roda com três pessoas extrapola o limite permitido. E
isso é um absurdo”
(Rodrigo Delmasso
(PTN), deputado
distrital)
SOCIEDADE »Uma questão de bom senso
SOCIEDADE »Uma questão de bom senso
Culto em igreja evangélica no Sudoeste: religiosos
também pedem a readequação do sistema para evitar as reclamações recebidas
seguidamente
Exemplos de outras cidades podem servir para o
Distrito Federal ter parâmetros na hora de discutir a Lei do Silêncio. O
problema aqui, segundo especialistas, é a especificidade da capital, onde áreas
residenciais e comerciais existem lado a lado
O Distrito Federal não é a primeira unidade da
Federação a enfrentar o debate sobre o barulho em vias públicas. Cidades que
sediam os principais carnavais do país, como Salvador, Recife e Rio de Janeiro,
também viram os ânimos se acirrarem devido à discussão sobre limites para
poluição sonora. Em alguns municípios, para não desagradar a nenhum dos lados,
ficaram determinados os locais possíveis para fazer mais barulho; em outros,
estabeleceu-se a possibilidade de abrir exceção em datas comemorativas. Especialistas
alertam, porém, que em Brasília será mais difícil chegar a um consenso, pois
áreas residenciais e comerciais, na maioria das regiões, estão próximas. Uma
saída apontada por profissionais do meio seria criar uma legislação mais branda
em locais como a orla do lago e o Estádio Nacional, que não têm residências por
perto.
O que
diferencia a capital dos outros lugares do país é a divisão da cidade. Na Lei
Distrital nº 4.092, de 2008, baseada na Recomendação nº 10.151 da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que trata de poluição sonora no DF, os
limites máximos de decibéis variam de acordo com as áreas da cidade: vão de
estritamente residencial a predominantemente industrial. Para o professor de
direito Thiago Sombra, as entrequadras se encaixam no descrito como “áreas
mistas predominantemente residenciais”. O limite de barulho, para esse tipo de
localização, é de 55dB, durante o dia, e 50dB, à noite, sendo que o período
noturno vai das 22h às 7h.
“São
regiões com muito mais prédios residenciais. Em qualquer entrequadra das asas
Sul ou Norte, as áreas comerciais ficam localizadas no meio dos moradores. É
uma peculiaridade de Brasília que precisa ser levada em conta”, pontua o
professor. Por isso, seria impossível classificar as quadras, mesmo comerciais,
como mistas com vocação recreativa, por exemplo. Em tramitação na Câmara
Legislativa, a proposta de lei do deputado do Ricardo Vale (PT), que visa
aumentar os limites, não é bem-aceita pelos especialistas, apesar de contar com
a aprovação de parte da população.
Na visão
do coordenador da Comissão de Estudos Especiais de Acústica da ABNT, Krisdany
Cavalcante, o problema para conciliar a balada e o descanso dos moradores é o
fato de Brasília ser uma cidade atípica. “Nas zonas mistas e residenciais, não
há necessidade de flexibilizar: a regra é justa”, afirma. Para ele, o que deve
ser feito é estipular melhor as zonas e aumentar os limites das que não são
residenciais, de modo a incentivar a migração dos bares e casas noturnas a
esses locais. “Assim não atrapalharia ninguém e todos sairiam ganhando”,
pondera. Como exemplos, Cavalcante cita as orlas do Lago Paranoá e os arredores
do Estádio Nacional Mané Garrincha, locais de fácil acesso para os
brasilienses. “A cidade é grande e tem muitos espaços disponíveis. Não tem
necessidade de incomodar ninguém”, completa.
O Balaio, na Asa Norte, fechou depois de ser
multado várias vezes
Manifestantes percorreram as ruas da cidade, em
dezembro, contra a lei
O carnaval da cidade poderia ser beneficiado com uma
nova discussão
O carnaval da cidade poderia ser beneficiado com uma nova discussão
Autoritarismo
Para o músico Vander Venttura, 27 anos, a Lei do Silêncio atualmente em
vigor é abusiva e autoritária. “Até quem se diz totalmente a favor, no dia do
aniversário, procura um barzinho com música ao vivo ou um lugar para fazer
barulho”, argumenta. Para ele, não falta espaço para o lazer na capital.
“O limite
estipulado na lei distrital é razoável, se compararmos com outras cidades e com
o que a ABNT coloca como limite suportável pelo ouvido humano”, afirma o
pesquisador em acústica ambiental Sérgio Garavelli, membro da Sociedade
Brasileira de Acústica. Mesmo assim, outras cidades preferiram ampliar a
recomendação da ABNT, por não considerarem os limites suficientes. Foi o caso
de Salvador, Recife, Belo Horizonte e Belém. onde os ruídos podem chegar a 70dB
durante o dia e 60dB à noite. O período noturno também varia. Em Recife e
Belém, por exemplo, é considerado noite o intervalo entre as 18h e as 6h.
Com
medidas simples, é possível garantir uma convivência harmoniosa entre moradores
e baladeiros. “Não invadir espaços, como as calçadas em frente às residências,
já ajudaria bastante. Além do bom senso, a proteção acústica para o som não
fugir do estabelecimento deveria ser obrigatória e fiscalizada”, considera
Sérgio Garavelli, que menciona o exemplo da Alemanha: “Lá, os projetos de casas
noturnas são aprovados se tiverem isolamento acústico e garantias de que o som
não vai fugir para as casas”.
"Nas zonas mistas e residenciais, não há necessidade de
flexibilizar: a regra é justa. A cidade é grande e tem muitos espaços
disponíveis. Não tem necessidade de incomodar ninguém”
(Krisdany Cavalcante,coordenador da Comissão de Estudos Especiais de
Acústica da ABNT)
Fonte:Matheus Teixeira -
(Alessandra Azevedo - Especial para o Correio) - Fotos: Thiago
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