José Carvalho até queria abastecer com o produto da
cana-de-açúcar, mas o preço não compensa
O Sindicombustíveis comunicou que não se manifesta
sobre os custos praticados no varejo, uma vez que o revendedor é livre. A
Cascol informou, via nota, que não se pronuncia sobre preços e informou que “os
valores de álcool, gasolina e diesel não são definidos pelos postos, mas sim,
pelas distribuidoras”. Porém, na última quarta-feira, durante a audiência sobre
a intervenção da Cade na administração da Cascol, o advogado do grupo, Marcelo
Bessa, negou as acusações de que a empresa elevava o preço do etanol para
tornar o produto desinteressante ao consumidor e, assim, manter em alta a venda
de gasolina. Ele afirmou que a empresa juntou ao processo as cópias de 16 mil
notas fiscais para provar que o valor do álcool vinha alto da distribuidora. “O
preço de aquisição do etanol da distribuidora não tinha atratividade para o
consumidor”, comentou na ocasião. Marcelo Bessa afirmou ainda que os preços do
combustível no DF são acima da média nacional porque os custos dos empresários
na cidade são muito superiores.
A
servidora pública Walbéia Santos, 40 anos, comenta que prefere abastecer com
etanol do que gasolina. Entretanto, por causa do aumento do preço, tem
misturado os dois produtos. “A gente coloca R$ 40 de gasolina e o resto de
etanol”, relata. Para ela, carro flex vale a pena para esses momentos em que
ocorrem alterações de preços, devido às opções que podem ser feitas.
Ao
privilegiar a vantagem financeira, o motorista José Carvalho, 62, opta por
abastecer com gasolina. Apesar de saber os benefícios que o etanol traz ao meio
ambiente, o preço não ajuda. “A autonomia que você tem ao abastecer um tanque
de gasolina não é a mesma do etanol. E o preço do álcool não tem compensado em
nada ultimamente”, exemplifica.
Memória - Alíquota maior
Em janeiro de 2015, o Executivo do Distrito Federal anunciou um pacote de
medidas tributárias. Entre elas estava a de diminuir a alíquota do etanol de
25% para 19%. Porém, a proposta não passou na Câmara Legislativa local e, em
vez de cair, a porcentagem de alíquota subiu de 25% para 28%, a mesma da
gasolina. Segundo reportagem do Correio publicada em 25 de novembro de 2015, as
empresas de comercialização de combustível doaram quase R$ 850 mil a dezenas de
candidatos durante as eleições de 2014. Entre os eleitos, 11 deputados
distritais e seis federais receberam recursos.
O combustível rejeitado
Walbéia Santos, dona de um carro flex, diz que
prefere o etanol, mas, com o valor alto, ela prefere misturar com a gasolina
para gastar menos
Preços da última década fizeram com que o etanol
fosse deixado de lado pelos brasilienses. Mas especialistas afirmam que não há
motivo para o distanciamento e que o álcool deveria ser mais barato por aqui.
Empresa do ramo culpa distribuidora e impostos
Abastecer o carro com etanol não compensa. Com essa
certeza na cabeça dos consumidores, o DF tornou-se uma das unidades federativas
que menos usam o combustível, quando se comparam o volume comercializado e a
frota de veículos. Em 2015, enquanto se consumia 1 litro de etanol, outros 10
de gasolina eram vendidos. O cálculo entre a diferença de rendimento dos dois
tipos tem sido desvantajoso para o primeiro, principalmente nos últimos 10
anos.
Uma das
explicações dos especialistas para que o etanol se distancie da realidade brasiliense
é a alta margem de lucro imposta pelas redes de postos. Dados da Agência
Nacional do Petróleo (ANP) mostram que o lucro médio por litro é o mais alto do
país. Em janeiro de 2016, por exemplo, foi de R$ 0,61 — o dobro da média
nacional. O segundo estado com a maior margem é Rondônia, com R$ 0,49. Os
demais oscilam entre R$ 0,26 a R$ 0,39. É importante ressaltar que a média foi
registrada após ser deflagrada a Operação Dubai, em novembro do ano passado.
Mesmo com a fiscalização intensa, o lucro do etanol no DF não diminui.
No início
da semana, o preço da gasolina caiu R$ 0,08 por conta do Termo de Ajustamento e
de Conduta (TAC) assinado entre a rede Cascol e o Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que limitou o lucro da gasolina em
15,87% o litro. Entretanto, o etanol foi às alturas e, em alguns
estabelecimentos, subiu mais de R$ 0,20. Em algumas bombas, custava até R$
3,59.
Na
análise de Vander Mendes Lucas, professor do departamento de economia da
Universidade de Brasília (UnB), subir o preço do etanol faz parte da estratégia
empresarial de manter os preços da gasolina mais altos. “Mas, se aumenta o
custo do etanol, sobe o preço da gasolina também. Por conta do tabelamento, a
gasolina deveria ter baixado R$ 0,11 e não só R$ 0,08”, explica. “Isso mostra
que a estratégia de tabelar lucro tem problemas e que a população vai continuar
insatisfeita”, complementa.
Para o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), há evidências de que a
comercialização do etanol não interessa ao cartel instaurado em Brasília.
Documentos da investigação mostram que, até 2007, as margens praticadas para a
gasolina e o etanol eram similares — 20% para o primeiro e entre 25% e 30% para
o segundo. Com a entrada intensa de carros flex no mercado automobilístico
brasileiro desde 2007, a gasolina e o etanol passaram a ser combustíveis
concorrentes. Nesse momento, os postos das principais redes do DF optaram por
hostilizar o etanol como opção ao consumidor. “O cartel tenta fazer o álcool
não ser viável no DF”, defende Ravvi Madruga, coordenador-geral de análise
antitruste do Cade.
Opção clara
Gráficos presentes em documentos do Cade mostram que, desde 2007, a
margem do etanol vem crescendo e chegou a ser de 60% em período de safra de
cana, no qual geralmente o preço do combustível cai por causa da oferta mais
expressiva do produto no mercado. A explicação seria a de que, se os postos
diminuíssem o valor do etanol na bomba, os clientes optariam por ele, e não
pela gasolina. Outra razão é que, como os combustíveis concorrem, a gasolina
teria que abaixar o preço também. Para Ravvi Madruga, é incompreensível o fato
de o DF estar próximo de um estado produtor de álcool — como Goiás — e ter os
preços mais altos do país. “A gasolina vem de Paulínia, no interior de São
Paulo. Mas temos álcool em todo o estado de Goiás”. Cerca de um terço da
gasolina que vem de Paulínia pelo oleoduto é consumida no DF. O condutor leva o
combustível para Brasília, Goiânia, Ribeirão Preto (SP), Uberlândia (MG) e
Uberaba (MG).
Ravvi
conta que, em 2010, durante investigações sobre a conduta do mercado de
combustíveis em Brasília, o Cade ouviu quatro sócios da Cascol sobre a questão
do etanol. Na ocasião, eles ficaram em silêncio e, na época, se comprometeram
informalmente a rever as políticas de margem do etanol, mas não foi o que
ocorreu. Durante os mandados de busca e apreensão da Operação Dubai, agentes
encontraram um estudo de uma usina de Goiás sobre etanol na sede do Sindicato
do Comércio Varejista de Combustíveis e de Lubrificantes do DF
(Sindicombustíveis-DF).
Desinteresse
O que intriga membros do Cade é o desinteresse dos empresários locais
pelo etanol. Uma das explicações seria a de que os postos não queriam gerar
concorrência de produtos no mesmo estabelecimento comercial. As peculiaridades
mercadológicas do etanol também não interessariam às redes de abastecimento.
Diferentemente da gasolina, que só tem um fabricante nacional — a Petrobras —,
o etanol pode ser comprado de vários distribuidores, o que demanda mais
negociação e pesquisa. Além disso, por conta da safra, o etanol oscila mais o
preço do que a gasolina. Diante dessas características, Ravvi explica: “É mais
fácil fazer cartel com gasolina do que com etanol”.
A União
da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) não fala sobre preços do etanol, mas a
instituição defende que a tributação é uma das principais responsáveis pela
pouca competitividade do etanol no mercado. “Para nós, o dono de posto é livre
para escolher a sua margem de lucro. A questão primordial, além dos tributos
federais, são os diferenciais tributários estaduais. No DF, a alíquota do
álcool e da gasolina subiu para 28%. Em Goiás, a do álcool é de 22%”, afirma
Antônio de Pádua, diretor técnico da Unica.
Além da
alíquota, o alto preço do etanol nas bombas gera um ciclo vicioso na
tributação. Como a base é feita sobre o valor vendido ao consumidor final, se
ela está mais cara nas bombas, o imposto também será mais alto. “A questão do
etanol não é tributária, não é de frete: é de cartel mesmo”, analisa Ravvi
Madruga, do Cade. O resultado: em 2015, o DF consumiu 104,9 milhões de litros
de etanol hidratado. Em contrapartida, o consumo de gasolina C foi de 1,01
bilhão, segundo dados da Unica.
Investigação e prisões
A Operação Dubai foi conduzida pela Polícia Federal e pelo Grupo de Atuação
Especial de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público do DF (Gaeco)
em novembro de 2015. Sete pessoas tiveram a prisão temporária decretada, entre
elas o dono da Rede Cascol, Antônio Matias, e o presidente do Sindicato dos
Donos de Postos de Combustíveis, José Carlos Ulhôa.
"Para nós, o dono de posto é livre para escolher a sua margem de lucro. A
questão primordial, além dos tributos federais, são os diferenciais tributários
estaduais”
(Antônio de Pádua, diretor-técnico
da Unica)
"É mais fácil fazer cartel com gasolina do que com etanol”
(Ravvi Madruga, coordenador geral de análise antitruste do Cade)
"É mais fácil fazer cartel com gasolina do que com etanol”
(Ravvi Madruga, coordenador geral de análise antitruste do Cade)
Fonte: Flávia Maia – Fotos: Antonio
Cunha/CB/D.A.Press - Correio Braziliense