Nos governos Lula e Dilma, Aldo Rebelo fez um pouco
de tudo. Foi líder do governo, ministro da Secretaria de Coordenação Política,
presidente da Câmara. ministro da Ciência e Tecnologia, do Esporte e, por fim,
chegou ao comando das Forças Armadas. Há quatro meses no cargo, tem o projeto
de conseguir do Congresso a garantia de que a Defesa terá, a cada ano, 2% do
PIB. Trabalho difícil, mas não impossível, para quem tem a maioria dos radares
ligada nos movimentos políticos. Na quinta-feira à tarde, ele conversou com o
Correio. Mostrou-se convencido de que o impeachment perdeu força e é hora de
mudar a agenda. “Se este negócio de impeachment estivesse na ordem do dia, a
pauta do mosquito ia para o rodapé.”
Há uma preocupação dos militares com o orçamento da Defesa. Como o
senhor vê a ameaça sobre projetos estratégicos?
Nós temos
dois desafios relacionados ao orçamento de defesa. O primeiro é o de curto
prazo, ou seja, de não comprometer os programas estratégicos por causa da
sazonalidade dos recursos e do orçamento. Falo do programa do Submarino, dos
caças, do avião de transporte KC-390, do sistema de vigilância das fronteiras,
dos equipamentos do Exército, dos carros de combate.
Há inclusive a preocupação com a defasagem dos programas.
Temos
procurado preservar os recursos para a manutenção desses projetos. De que
forma? Adiando projetos que são importantes, mas não precisam começar agora, e
dando os recursos para aqueles que já estão em curso. E, em alguns casos,
ajustando prazos e cronogramas destes projetos, mas de tal forma que não
comprometa as suas trajetória e finalidade. O outro desafio relacionado com o
orçamento é buscar verbas de caráter permanente para a atividade de defesa. O
Estado vai precisar de um sistema de defesa e de um sistema de financiamento
para essa atividade. Como todos os países que valorizam a atividade defesa
fazem. A minha ideia é que nós estabeleçamos um percentual do PIB para a
defesa, que tenhamos para a defesa o mesmo tratamento da saúde e da educação.
Quanto seria esse percentual?
Eu penso
que 2% é o que daria equilíbrio e sentido de continuidade aos projetos e ao
custeio de um sistema de defesa compatível com a nossa economia, geografia, a
extensão das nossas fronteiras, a dimensão do nosso espaço aéreo, e o tamanho
das nossas águas jurisdicionais. Quando se tem grandes fronteiras, um espaço
aéreo continental e 4 milhões e meio de quilômetros quadrados de águas
jurisdicionais, onde está o nosso petróleo, que é a rota do nosso comércio
internacional, tem de se proteger tudo isso, e não se pode proteger tudo isso
sujeito a sazonalidade. Para este ano, tem recurso, para o outro, não tem. Com
2% do PIB eu acho que comporta a nossa geografia, economia e a população e as
nossas necessidades.
Essa proposta estaria na contramão do que o governo prega?
Não. Há
uma preocupação com a desvinculação, e eu acho que é importante, para dar
liberdade de opção ao governo e às políticas públicas, mas isso quando se
destina para programas com começo, meio e fim. Se tiver um programa de
infraestrutura aeroportuária, e concluído o programa, não se tem mais
necessidade de recursos. Mas, no caso de defesa, saúde e educação é diferente
por não se vive de programas, tem que se financiar atividades como uma coisa
permanente.
A ideia aparece quando o senhor assume?
Ela tomou
nitidez e caráter de necessidade quando eu me deparei com as dificuldades e a
incerteza dos recursos.
Qual é o prazo para aprovação?
Precisa
aprovar durante minha gestão aliás, já levantei este tema no Congresso, na
primeira visita que fiz à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional
da Câmara dos Deputados. Eu fiz uma provocação aos parlamentares no sentido de
debaterem essa proposta, e levarem em conta essa ideia. É evidente que eu
preciso da autorização da presidente da República.
Ela concordou com isso?
Eu ainda
não levei a ideia a ela. Mas acho que pela valorização que ela dedica ao tema
da defesa...
A Aeronáutica vai comprar o KC-390?
O avião
para ser adquirido precisa ser homologado no processo que vai além do voo
teste, que já foi realizado, e um determinado período de voo, acho que pelo
menos três aeronaves, isso é o que precisa. E naturalmente os países esperam
que o país construtor do avião seja o primeiro a adquiri-lo. Então isso é parte
do projeto, a aquisição do KC-390 por parte da FAB. E os recursos para essa
aquisição também integram o projeto.
Quando o projeto do antiterrorismo será aprovado?
O mais rápido possível, pois o Brasil já sofre riscos de partilhar
informações relacionadas com essa questão de terrorismo por não ter um projeto
aprovado. Ou seja, há uma certa cobrança internacional para o Brasil ter uma
lei compatível com as preocupações mundiais, com esse temas, ameaças e com
esses riscos.
O mosquito ameaça as Olimpíadas?
O combate
ao mosquito da dengue, da chicungunha e do zika é uma tarefa importante do
país. Quando nos mobilizamos para enfrentar a febre amarela, o Rio de Janeiro
era uma cidade quase que isolada no mundo. Os navios tinham receio de parar, a
cidade sofria consequências até econômicas, era a capital do país e uma que
causava receio às tripulações, ao mundo. Então, tivemos que enfrentar a febre
amarela, numa campanha dura, liderada por um homem de muita coragem, científica
e política, que foi o Oswaldo Cruz, que enfrentou pressões e ameaças. No caso
desse mosquito, agora, temos que enfrentar com meios muito mais potentes, do
que o que se possuía no início do século passado. Nós temos hoje instrumentos
na área de saúde pública, organização, logística e capacidades muito mais
amplas que tínhamos no século passado. Assim, as Forças Armadas se engajam e
apoiam esse esforço. Em relação às Olimpíadas, não faz sentido proibir ou
suspender por uma causa que está sendo combatida, e que naturalmente até as
Olimpíadas terá incidência muito reduzida por conta da época, em que não é
propícia à reprodução do mosquito, e por conta do combate que o governo está
fazendo. Ou seja, existem outras ameaças e doenças no mundo inteiro, e ninguém
suspende um evento por causa disso.
A pauta de zika tirou do foco as discussões do Congresso?
Eu acho
que a pauta do mosquito ganhou tanta força exatamente porque a Lava-Jato e a do
impeachment perderam força. Acho que a equação se inverte. Se este negócio de
impeachment estivesse na ordem do dia, a pauta do mosquito ia para o rodapé,
para o fim da página. Eu acho que ganhou força porque a outra perdeu. Ninguém
leva mais muito a sério fazer o impedimento da presidente da República. Não
vejo um ator relevante tratando disso com seriedade, não vejo um partido de
oposição, uma organização social ou uma igreja. Ou seja, é uma coisa rarefeita,
existe, mas sem representatividade política, social ou econômica. Não tem uma
organização empresarial relevante, pelo contrário. Terminou o campeonato, vai
querer anular o campeonato?
Há um desgaste muito grande no governo e no PT. Como o PT vai se sair
das urnas?
A
campanha presidencial está muito longe. A eleição municipal tenderá a ser muito
disputada entre os dois grandes blocos, governo e oposição. Porque, se é
verdade que partidos do governo estão submetidos a processos de desgaste por
conta das investigações, é verdade também que as investigações não deixaram
incólumes os partidos de oposição e os partidos de oposição se colocaram como
alternativas à situação. Ou seja, você examina uma eleição como a de São Paulo
em que, mesmo com todo o desgaste, o candidato do PT tem, nas pesquisas, mais
apoio do que o candidato da oposição, ou os candidatos da oposição. É claro que
a tendência do PT é arcar com um desgaste maior e com perdas maiores, em função
das investigações, mas ainda terá muita força eleitoral como as pesquisas
indicam.
O PCdoB vai continuar apoiando o Haddad em São Paulo?
Hoje
em dia, há uma relativa autonomia dos partidos, embora o PCdoB tenha uma
orientação nacional. Mas a orientação nacional do PCdoB é de compormos com a
base aliada do governo. No Recife, o vice do prefeito do PSB é do PCdoB. Então,
nós temos uma posição aberta em relação aos aliados. Temos alianças com o PT,
talvez, no momento um pouco maior, mas nós temos com o PMDB, o PSB, o PDT...
Como o senhor vê a ameaça de cassação da Dilma no TSE?
Eu não
creio, eu já vi manifestação de juristas e do próprio procurador-geral de que
reduzem bastante as possibilidades de você reenvolver um presidente e o vice
por uma ação partidária, aquilo ali é um jogo da oposição. Não foi nem uma ação
própria do tribunal, foi uma ação do partido PSDB. Eu não creio que aquilo
tenha consistência para tirar o mandato de presidente e vice.
O governo, porém, não parece reagir...
Pode não
ter tido nada de novo, mas teve de bom. O que teve de bom foi o líder do PMDB
ser escolhido e ser um líder que tem compromisso, que é aliado do governo. Esse
é um fato capaz de desencadear novos fatos positivos para o governo e para o
país.
Por exemplo?
Eu creio
que a vitória do deputado Picciani sinaliza que o governo tem maioria no PMDB,
que o PT, juntamente ao PMDB, forma um núcleo capaz de arregimentar os outros
partidos da base, para dar maioria ao governo e perspectiva de aprovação de
coisas importantes, como as medidas relacionadas ao ajuste da economia, à CPMF,
às desvinculações de receita e à reforma da Previdência.
O Eduardo Cunha vai cair?
Eu acho
que ele ainda demonstrou muita força na eleição da liderança do PMDB. O governo
venceu, mas o Eduardo Cunha ainda demonstrou uma capacidade de articulação e
que tem uma bancada que guarda um relativo nível de fidelidade às orientações
dele.
O senhor está confortável na Defesa?
Eu diria
que estou cumprindo a minha missão, a minha tarefa. Eu procuro sempre cumprir
as minhas missões onde eu sou destacado e designado para isso. Tenho, como
militar, uma relação de respeito, isso desde que cheguei à Câmara e passei a
integrar a comissão de relações exteriores e a de defesa nacional, desde essa
época eu tenho uma relativa convivência com os militares e com a agenda de
Defesa. Como não era um deputado ligado a nenhuma corporação, sempre tratei
desses assuntos de defesa nacional e de relações internacionais, presidi essa
comissão e acho que aqui eu posso trabalhar à vontade com as Forças Armadas e
com os militares, tendo como denominador comum o interesse público e a Defesa
em um interesse nacional.
Como o senhor avalia as denúncias contra Lula?
Parte da
luta política no Brasil. Nós vivemos a reprodução de enfrentamento, como nós
vivemos na época do Vargas, que levou o presidente a suicídio, vivemos isso na
época do presidente João Goulart, vivemos recentemente no próprio governo Lula.
E o Lula fora do governo também está na mesma agenda. Para desgastá-lo, para
desacreditá-lo como liderança e como possibilidade real para 2018. Ele tem se
defendido, tem procurado explicar as posições dele, principalmente na
Lava-Jato, do sítio, do apartamento no Guarujá, mas eu acho que, no fundo, tem
uma luta política.
"Se este negócio do impeachment estivesse na ordem do dia, a pauta
do mosquito iria para o rodapé”
Fonte: » Denise Rothenburg » Leonardo Cavalcanti – Foto: Breno Fortes/CB/D.A.Press – Correio
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