Uma cidade é, antes de tudo, um organismo vivo. É
gerada a partir de um complexo planejamento tão ou mais sofisticado do que a
própria vida orgânica. Uma cidade nasce, cresce, se expande e, não raro, entra
em decadência e morre. Dessa forma, pode-se considerar que a construção de uma
cidade é processo contínuo e que, praticamente, jamais se completa ou tem ponto
final. No caso de cidade ou sítios tombados, essa mecânica segue modelo ou
protocolo diferente. A área tombada pela Unesco em Brasília em 1987, abrangendo
seu aspecto volumétrico, está restrita ao perímetro urbano do Plano Piloto. O
que deveria ser comemorado como motivo de orgulho para toda a população, vem
sendo, desde a emancipação política da capital, em 1988, alvo de todo tipo de
ataque.
De um lado, a especulação imobiliária, impulsionada pelo inchaço
populacional da cidade, levou a pressões variadas — algumas, inclusive,
criminosas — para alterar ou simplesmente desprezar o tombamento. Os argumentos
para os ataques são, obviamente, falsos. Dizer que o tombamento engessa o
crescimento da cidade e impede seu desenvolvimento não passa de retórica de
gente que tem no horizonte apenas motivos financeiros próprios.
O pior nesta polêmica toda é que aqueles que deveriam, até por função,
proteger e lutar para a preservação do Plano Piloto no Livro do tombo da
Unesco, são os primeiros a buscar a desfiguração do projeto original de Lucio
Costa. A Câmara Legislativa, por diversas vezes, por incrível que isso possa
parecer, tem voltado sua artilharia contra o tombamento da capital.
As razões para este comportamento contraditório, já tratado neste
espaço, se resume ao binômio um lote, um voto. De um lado, os corruptos, e, de
outro, os corruptores loucos para efetivar o ganho. O verdadeiro festival de
puxadinhos e remendos improvisados vão, pouco a pouco, tomando conta da cidade,
não respeitando as áreas verdes, o comércio nem mesmo as residências.
Todas essas modificações e improvisos são apoiados e incentivados por
nossos representantes. A profusão paulatina de modificações ao projeto de Lucio
Costa, em pouco tempo, tornará irreversível a ideia original, contaminando
também a permanência da capital como patrimônio cultural da humanidade. Os
arremedos de arquitetura vêm acontecendo numa sequência tal que, em poucos
anos, Brasília terá o mesmo aspecto desarrumado comum à maioria das cidades
brasileiras, onde o desrespeito à arquitetura e ao urbanismo é norma e segue a
sanha de políticos de passagem.
A diretora-presidente da Agefis, Bruna Pinheiro, anuncia que, até julho,
amplo levantamento de intervenções irregulares será seguido de campanhas
educativas no Plano Piloto. A partir dessa data, o órgão promete remover as
construções irregulares que ferem o tombamento. Fechamentos de pilotis, grades
e cercas não serão aceitos e eles vão ser devidamente arrancadas, promete
o órgão.
Por: Circe Cunha – Coluna: “Visto, lido e ouvido” –
Ari Cunha – Correio Braziliense – Foto: Bento Viana