Por: J. U. Jacoby Fernandes
No âmbito da Administração
Pública, o Poder Judiciário exerce a função típica de guardar a Constituição
Federal, por meio do Supremo Tribunal Federal — STF, julgar e processar
litígios. Esse Poder, contudo, também exerce funções atípicas ou secundárias, quais
sejam: de administração e legislativa.
No exercício da sua função
administrativa, o STF tem enfrentado questão atinente ao direito às horas
extras para os servidores ocupantes de cargo em comissão ou de função de
confiança que tenham jornada especial regulamentada por lei específica.
A questão é discutida no Processo Administrativo nº 353.132, no qual consta que, em 1999, o chefe da
Assessoria Jurídica da Diretoria-Geral defendeu a adoção, relativamente ao
cargo de médico, da carga semanal de vinte horas e, no tocante ao de
odontólogo, de trinta horas, independentemente de estarem, ou não, os ocupantes
investidos em cargos comissionados.
Posteriormente, o chefe da
Seção de Legislação e o coordenador
de Informações Funcionais se pronunciaram
no sentido de excepcionar situações em que haja função ou cargo comissionado.
Nesse sentido, consta no Processo que houve a edição da Ordem de Serviço nº 12/2000, que dispôs
que “a duração do trabalho dos servidores que exerçam profissão regulamentada e
que não estejam investidos em função comissionada subordina-se à jornada
estabelecida na respectiva legislação”.
Assim, em seguida, foi apresentado um requerimento de reconsideração
para que haja continuidade à prática administrativa de concessão de horas
extras, independentemente de haver exercício de função de confiança ou de cargo
em comissão.
Diante do requerimento de reconsideração, o ministro Luiz Fux, membro da Comissão de Regimento Interno da Suprema
Corte, ressaltou que existe a necessidade de, em fiel observância ao princípio
da proteção da confiança, ocorrer a reforma parcial da decisão recorrida, a fim
de apenas aplicar o novo entendimento consubstanciado em parecer aos servidores
que passaram a ocupar cargos em comissão e funções de confiança há menos de cinco
anos da sua data, isto é, aqueles que assumiram cargos em comissão ou função de
confiança após 27.11.2008.
O ministro Fux também ressaltou o seguinte:
[...] em relação aos que estavam ocupando,
de forma ininterrupta, cargo em comissão ou função de confiança em período
anterior a 27/11/1998, deverá prevalecer a orientação contida no parecer 27/99.
Destaco que este voto não reconhece o
direito ao pagamento de eventual hora-extra em relação a período anterior com
fulcro na tese de que o servidor teve de trabalhar mais horas do que o
necessário, mercê da profunda controvérsia acerca do termo a quo dos efeitos da
nova orientação normativa sobre o tema da jornada de trabalho.
Com extrema sabedoria, o ministro Marco Aurélio
explicou o seguinte sobre o referido Processo Administrativo:
Nota-se
que o percebido em virtude do cargo de provimento em comissão ou de natureza
especial visa remunerar não o trabalho extraordinário prestado, mas a
responsabilidade maior do cargo ou função, o trabalho de maior valia
desenvolvido pelo servidor. Em outras palavras, a interpretação sistemática da
Lei nº 8.112/90 conduz a concluir-se que parcela remuneratória satisfeita em razão
de encontrar-se o servidor no cargo de provimento em comissão ou de natureza
especial não se refere a trabalho extraordinário. Este deve ser remunerado a
partir do que recebido normalmente pelo servidor, observado o quantitativo
concernente ao cargo de provimento em comissão como o de natureza especial. A
assim não se entender, ter-se-á situação jurídica na qual haverá verdadeira
compensação, que, por sinal, pode, em tese, não ser completa, bastando, para
tanto, que o pagamento a maior seja insuficiente a cobrir o trabalho
extraordinário.
Mais do
que isso, na alteração da Lei nº 8.112/90 promovida pela Lei nº 8.270/91,
dispôs-se que a regência do artigo 19 dela constante não alcança a duração do
trabalho fixada em leis especiais.
Do
contexto, depreende-se, então, que os servidores protegidos, sob o ângulo da
duração do trabalho, por legislação especial estão sujeitos à jornada normal
nela prevista, sendo desinfluente a circunstância de virem a exercer cargo em
comissão ou função de confiança, no que estes – repito – geram o direito ao
aumento remuneratório tendo em conta não a dilatação da jornada, mas o
desempenho de atividade de maior responsabilidade.
Pronuncio-me
no sentido de observar-se, independentemente da assunção de cargo em comissão
ou de função de confiança, a jornada estabelecida na lei especial de regência
da atividade do servidor, remunerando-se, como extraordinárias, as horas de
trabalho que a ultrapassarem.¹
Ao longo dos seus 26 anos à frente de uma das
cadeiras do Supremo Tribunal Federal, o ministro Marco Aurélio Melo destaca-se
continuamente por proferir votos memoráveis e determinantes para a evolução do
bom direito. A sua atuação jurídica nas mais de duas décadas é assertiva e
exemplar.
O entendimento do nobre ministro é extremamente
salutar, uma vez que nada exclui a regra que impõe jornada de trabalho e,
constitucionalmente, o dever de remunerar horas extras.
No livro Vade-Mécum de Recursos Humanos,
desde a sua primeira edição em 2013, já havia esclarecido que o servidor
ocupante de cargo em comissão percebe remuneração adicional pelo maior nível de responsabilidade de
suas funções; não há gratificação ou remuneração que exija a prestação de horas
ilimitadas.
Por outro lado, o denominado regime de dedicação
exclusiva não é sinônimo de jornada de trabalho sem limite; significa que o
servidor não pode exercer outra função, apenas isso.
O entendimento de que os ocupantes de cargos de
direção, chefia e assessoramento se equiparam, na essência jurídica, aos cargos
de gerente da iniciativa privada e podem fixar a jornada e decidir a concessão
de horas extras para os outros e não a si próprios é sistematicamente referido
para justificar a incompatibilidade com o pagamento de horas extras.
Esse ponto de vista há de ser revisto, porque o
fato de permitir a um servidor impor aos subordinados o dever de realizar horas
extras não lhe retira o dever de registrar corretamente a respectiva jornada de
trabalho dos subordinados e de si mesmo. Havendo o registro da jornada, o
pagamento é devido. O cumprimento de horas extras deve ser sempre atestado pela
autoridade superior, em respeito ao princípio da segregação as funções.
Essas conclusões são aplicáveis ao regime
estatutário e celetista. A Constituição Federal é a mesma que fundamenta os
dois regimes.
Cabe
salientar que a Lei nº 8.112/1990 prevê em seu art. 62 que ao servidor ocupante
de cargo efetivo investido em função de direção, chefia ou assessoramento,
cargo de provimento em comissão ou de natureza especial é devida retribuição
pelo seu exercício.
STF. Secretaria de Gestão de
Pessoas. Processo Administrativo nº 353.132.
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