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GDF deve ceder Mané Garrincha ao setor privado com projeto inacabado

         Vista interna do estádio Mané Garrincha, em Brasília (Foto: Tony Winston/GDF)

"Dois anos após o Mundial, paisagismo sustentável não deve sair do papel. Arena custou R$ 1,8 bilhão; itens pendentes somam outros R$ 302 milhões."

Com um custo de construção estimado em R$ 1,8 bilhão e manutenção anual de R$ 13 milhões, o Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha deve ser entregue à iniciativa privada, após a Olimpíada, "pela metade". Melhorias estéticas e funcionais previstas no projeto inicial da arena nunca saíram do papel e também não devem ser tocadas pelo governo do Distrito Federal nos próximos seis meses.

Entre as ideias interrompidas estão o paisagismo na área externa, o intrincado sistema de drenagem de água da chuva e a instalação de placas de energia solar na cobertura, elementos que ajudariam o GDF a cortar gastos e tornar o estádio mais sustentável.

O certificado internacional "LEED Platinum" foi anunciado pela gestão Agnelo Queiroz como uma meta, mas nunca se concretizou. O selo marca projetos com grande adequação ambiental. No mês seguinte ao Mundial, o Mineirão reformado recebeu o selo em reconhecimento de melhorias como usina solar, reúso de água e iluminação de baixo custo.

Tudo isso estava previsto para o Mané Garrincha. As placas de energia solar tinham custo estimado em R$ 15 milhões, a serem bancados pela Companhia Energética de Brasília (CEB). As obras do entorno do estádio, que incluíam túneis por baixo do Eixo Monumental ligando os trechos norte e sul das vias W4 e W5, custariam outros R$ 287 milhões. O paisagismo parou no projeto conceitual e não teve orçamento estimado.

Somados, os editais elaborados somam R$ 302 milhões. Se seguisse o mesmo caminho dos custos do Mané Garrincha, que eram previstos em R$ 670 milhões e se transformaram em R$ 1,8 bilhão, o projeto poderia chegar a R$ 811 milhões – mais que a estimativa inicial para realizar a íntegra do estádio.

"Não é mais o momento de ficar chorando as pitangas. Caso contrário, não vamos atrair ninguém [...] O Mané Garrincha não foi construído como um negócio, mas como um monumento. É como a Torre Eiffel, o Palácio de Buckingham. Caso contrário, não teria sido feito. Nós não esperamos, e ninguém deve esperar o retorno de R$ 1,4 bilhão"
(Mário Henrique Lima, diretor de Novos Empreendimentos da Terracap)

Diretor de Novos Empreendimentos da Terracap e responsável por "vender" as parcerias público-privadas ao empresariado, Mário Henrique Lima afirma que as obras suspensas não preocupam e podem ser retomadas pelo consórcio vencedor, com ou sem ajuda do governo. "Não é mais o momento de ficar chorando as pitangas. Caso contrário, não vamos atrair ninguém", diz.

Parceria
O Palácio do Buriti recebeu cinco propostas, de empresas ou consórcios interessados em gerenciar o estádio Mané Garrincha, o ginásio Nilson Nelson e o centro aquático Cláudio Coutinho, oferecidos em um conjunto denominado "Arenaplex". Segundo a Terracap, duas propostas receberam o sinal verde e vão realizar estudos de viabilidade para indicar o potencial lucrativo da arena.

Os estudos devem ser concluídos até o fim deste ano, e a previsão da Terracap é de que o consórcio vencedor assuma o espaço até maio de 2017. Até lá, empresários e governo vão debater a melhor maneira de tornar o Mané Garrincha rentável – mesmo que, para isso, seja preciso alterar a estrutura ou expandir a área construída.

"Uma empresa com foco mais imobiliário vai discutir construções extras, verificar o potencial [de expansão], discutir com o Iphan [órgão responsável por fiscalizar a área tombada], para trazer esse potencial. Outra pode dizer que quer 'fechar' o anel superior, porque nunca vai ter 70 mil pessoas, e reduzir a capacidade máxima para aumentar o preço do ingresso. Nada é engessado", diz Lima.

O gestor afirma que não existe intenção e nem possibilidade real de recuperar o dinheiro investido na arena. "O Mané Garrincha não foi construído como um negócio, mas como um monumento. É como a Torre Eiffel, o Palácio de Buckingham. Caso contrário, não teria sido feito. Nós não esperamos, e ninguém deve esperar o retorno de R$ 1,4 bilhão", diz
Vista aérea do complexo esportivo às margens do Eixo Monumental, que inclui o estádio Mané Garrincha (ao fundo) e o ginásio Nilson Nelson (centro) (Foto: Andre Borges/GDF)

Segundo Lima, a intenção maior do GDF é se livrar dos R$ 13 milhões anuais de manutenção e gerar um programa de conteúdo, com agenda cheia e receita fiscal. A partir da parceria, de acordo com a Terracap, o governo passaria a ser remunerado como um sócio do empreendimento, e não mais como um simples locador do espaço.

"A gente entraria no risco, e também, no retorno. Fazendo o estádio estar cheio, a gente ganha. Vamos tentar estruturar um projeto de negócios que seja viável para o setor público e para o privado. Para que isso funcione, a gente precisa de uma empresa com essa capacidade de atrair eventos, diz o gerente de Prospecção de Novos Empreendimentos, João Veloso.

Negócio atraente
Questionado pelo G1 sobre as vantagens oferecidas ao setor privado para a concessão e o retorno baixo que a iniciativa deve gerar aos cofres públicos, Lima afirma que a proposta segue "lógicas de mercado". Com histórico profissional em consultorias privadas como a inglesa Ernst & Young e a francesa Newton Vaureal, ele diz que é melhor entregar a arena a baixo custo que mantê-la subutilizada.

"Para cada empreendimento desses, você precisa entender o caminho e realizar um negócio que pare em pé. É isso que a gente gostaria que os órgãos públicos entendessem, que a gente precisa de flexibilidade e sensibilidade para esse acordo. Se não for muito bom para o empreendedor, não há negócio. Nenhum parceiro privado vai perder dinheiro, senão ele quebra"
(Mário Henrique Lima, diretor de Novos Empreendimentos da Terracap)

"Para cada empreendimento desses, você precisa entender o caminho e realizar um negócio que pare em pé. É isso que a gente gostaria que os órgãos públicos entendessem, que a gente precisa de flexibilidade e sensibilidade para esse acordo. Se não for muito bom para o empreendedor, não há negócio. Nenhum parceiro privado vai perder dinheiro, senão ele quebra".

O diretor da Terracap elogia a estrutura do estádio e afirma que o Mané Garrincha, por si só, tem atratividade suficiente para motivar a parceria. "Foi projetado para ser um dos estádios mais modernos e atraentes do país. Maior número de camarotes, quase 50 salas multiuso, anfiteatro, auditório. A gente comete um grande erro quando fala do Mané como elefante branco, como algo ruim."

Seguindo a lógica de mercado, Mário Henrique Lima afirmou ao G1 que não existe "preço injusto" na negociação dessa parceria. "Quando um órgão de controle acha que estamos vendendo o que é público barato ou caro demais, ele tem que entender que é um mercado. O preço é sempre justo, é um preço de mercado. Se a gente vender e ninguém comprar, é essa a medida que temos".

Complexo esportivo
O empresário que aderir à empreitada e fechar parceria deverá administrar todo o complexo esportivo que, agora, recebeu nome comercial de Arenaplex. Além do Mané Garrincha, o edital prevê a entrega do ginásio Nilson Nelson, do Centro Aquático Cláudio Coutinho e do ginásio de mesmo nome. Ambas as estruturas precisam de reformas e têm pouco potencial de gerar lucro, segundo reconhecimento do próprio governo.

"A piscina tem uso social, talvez receba uma contraprestação do próprio estado caso haja projetos. É difícil atrair competições. Por conta da tradição aqui de Brasília, de vôlei e basquete, o Nilson Nelson até pode ser ativado pelo parceiro", diz Lima.

O Nilson Nelson tem capacidade para 16 mil pessoas e, nos últimos anos, chegou a receber partidas de vôlei e basquete. Já o centro aquático Claudio Coutinho, com arquibancadas para 5 mil pessoas, tanques para saltos ornamentais e piscina olímpica, é usado apenas pelas escolinhas sociais do GDF

Cobertura
Passados mais de três anos da abertura da Copa das Confederações, primeiro grande evento realizado no novo Mané Garrincha, os investimentos na arena ainda são investigados por indícios de irregularidades. A cobertura das arquibancadas, por exemplo, consumiu R$ 241,5 milhões dos cerca de R$ 1,8 bilhão aplicados na arena.

Auditoria do Tribunal de Contas do DF estimou que R$ 72 milhões, ou 30%, correspondiam a irregularidades como custos dobrados, pagamentos antecipados e gastos com estruturas não essenciais, como membranas duplas. O processo segue tramitando no tribunal, em fase de recurso.

A planta de energia solar era prevista em um projeto complementar, que não saiu do papel. Segundo a proposta, 15 mil dos 20 mil metros quadrados da cobertura poderiam receber as placas fotovoltaicas – nome dado às estruturas que captam a luz solar e transformam em eletricidade. A estrutura teria potencial para gerar 3 mil MWh/ano, energia suficiente para abastecer 60 mil residências comuns do DF ao longo de 12 meses.

Se fosse implantada, a "usina" no teto do Mané Garrincha poderia suprir toda a necessidade do estádio (incluindo eventos na área externa) exportar o excedente para a rede urbana da capital. A energia solar é mais cara que a hidrelétrica, mas também é mais sustentável porque não gera resíduos e não requer a inundação de áreas para a construção de barragens.

A instalação das placas custaria R$ 15 milhões aos cofres públicos, segundo cálculos feitos pelo GDF em 2014. No mesmo ano, o gasto estimado em eletricidade para a arena era de R$ 900 mil. Os números indicam que o Mané Garrincha precisaria funcionar por 16 anos para recuperar o investimento, se for considerado apenas o impacto financeiro da medida.

O valor seria desembolsado pela CEB, dentro do projeto de expansão da energia solar proposto pelo próprio governo. A ideia chegou a ser apresentada à Federação Internacional de Futebol (Fifa), que cobrava um "Mundial mais limpo", mas foi abandonada no pós-Copa.
Colunas de sustentação da cobertura do estádio Mané Garrincha, em detalhe (Foto: Andre Borges/GDF)

Área externa
Onde hoje existe um descampado de concreto esburacado e grama seca, o projeto original previa um jardim com lagoas artificiais, plantas nativas do cerrado e sistema complexo de drenagem. O paisagismo ficou apenas no projeto conceitual, e o escoamento da água da chuva entrou em conflito com o projeto Drenar DF, que também enfrenta dificuldades para sair do papel.

Em entrevista ao G1, o engenheiro da Fluxus Design Ecológico Guilherme Castagna falou sobre a frustração de ver o projeto abandonado pelo governo. Ele recebeu R$ 50 mil pelo desenho do espaço, mas nunca recebeu ligação do GDF após a troca de governos.

'Eu não tenho expectativa nenhuma de ver isso concretizado. Quando a gente fez o trabalho, fomos além do contrato porque ele estabeleceria um novo patamar de integração urbanística com a água. A gente estava muito contente, recebemos prêmios. Seriam 16 milhões de litros economizados por ano, economia anual de R$ 250 mil com consumo"
(Guilherme Castagna, um dos autores do projeto conceitual de paisagismo do Mané Garrincha)

"Conceitualmente, a lógica do projeto é incorporar a água [ao paisagismo], reter ela no local para diminuir a quantidade escoada. A gente trabalhou drenagem e paisagismo juntos, porque era um critério do LEED Platinum, mas fomos além. Redesenhamos o entorno de forma que o excedente da água captada nas coberturas virasse lagos de paisagismo", diz Castagna.

Por ser apenas conceitual, o projeto não chegou a detalhar materiais, prazo de execução e expectativa de custos. Essas especificações ficam a cargo do projeto executivo, que não pode ser feito pela mesma empresa por uma restrição da Lei de Licitações. Após a entrega do documento, a Fluxus não foi informada do andamento da ideia.

"Eu não tenho expectativa nenhuma de ver isso concretizado. Quando a gente fez o trabalho, fomos além do contrato porque ele estabeleceria um novo patamar de integração urbanística com a água. A gente estava muito contente, recebemos prêmios. Seriam 16 milhões de litros economizados por ano, economia anual de R$ 250 mil com consumo", diz Castagna.

Com o reaproveitamento da chuva, toda a água necessária para limpeza, irrigação, banheiros e paisagismo teria "custo zero", e a água potável ficaria apenas para o consumo humano. Hoje, apenas cobertura e gramado drenam a água da chuva.
Projeto conceitual de paisagismo nos arredores do Mané Garrincha, em Brasília, com árvores, passarelas e lagoas (Foto: Fluxus/Reprodução)

Má qualidade
Auditoria em andamento no Tribunal de Contas indica que mesmo a parte realizada do estádio Mané Garrincha tem problemas de estrutura e execução. Nas arquibancadas, por exemplo, o corpo técnico apontou que a largura dos degraus é insuficiente para um pé mediano, dificultando o equilíbrio e facilitando acidentes.

Restos de material de obra, trincas e desníveis na estrutura também são indícios de que a obra não foi executada em conformidade com o previsto. Onde o projeto previa instalação de placas de mármore, os técnicos do Tribunal de Contas encontraram concreto queimado.

A mudança não consta nas planilhas e não ajudou a reduzir o preço da arena, segundo relatório que ainda será levado a plenário. Com um valor contratado de R$ 1,97 bilhão (parte não foi executada) e 71 mil lugares úteis nas arquibancadas, o custo médio por assento do Estádio Nacional de Brasília é de R$ 27.862,89, segundo cálculos do Tribunal de Contas.

O número coloca o Mané na vice-liderança de custos para os estádios "ocidentais". Apenas o Estádio de Wembley, em Londres, e as arenas previstas para a Copa do Mundo do Catar, em 2022, superariam essa cifra.



Mateus Rodrigues Do G1 DF


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