Por Severino Francisco
Não posso reclamar, tive a sorte de assistir o
Brasil ser campeão mundial três vezes, em 1970, 1994 e 2002. Em 1970, vi Pelé,
Tostão, Gérson, Jairzinho e Rivellino fazer jogadas para emoldurar e colocar na
parede. E, sem contar o timaço de craques da Copa de 1982, com Sócrates, Zico,
Falcão e Júnior, que não levantou a taça, mas encantou o mundo. É um dos
precursores do toque de bola envolvente e irritante do Barcelona. Depois, ainda
surgiram Romário, Bebeto, Ronaldo Nazário e Ronaldinho Gaúcho, que fizeram a
diferença.
Mas as
mutações do mundo globalizado alcançaram o futebol mundial e atingiram o
futebol brasileiro. Os grandes jogadores tornaram-se transnacionais. A
informação circula instantaneamente. Lembro dos tempos em que o Brasil sempre
levava na bagagem algum drible ou jogada novinha em folha e absolutamente
desconhecida para as competições internacionais. Hoje, até um japonês ou um
esquimó sabe aplicar o drible do elástico. Ao longo das últimas cinco décadas,
o futebol evoluiu em todos os recantos do planeta, enquanto o Brasil involuiu.
O
primeiro sinal da revolução no futebol ocorreu na Copa de 1974, logo após a
vitória espetacular da Seleção de Ouro de 1970, com o carrossel holandês. Todos
se movimentavam pelo campo, parecia que a Holanda jogava com 22 enquanto o
Brasil só tinha 11 em campo. Mudou a ocupação do espaço, a recomposição depois
da perda da bola, a mobilidade em campo, a marcação de cada adversário e a
velocidade dos contra-ataques.
O futebol
tornou-se um jogo muito mais coletivo, em que, para os talentos sobressaírem, é
preciso jogar de maneira solidária. Não é o que vimos nas duas partidas
decepcionantes disputadas pela Seleção Brasileira Olímpica no estádio Mané
Garrincha: cada um tentando resolver a parada sozinho e os talentos individuais
sem espaço, facilmente anulados pela defesa adversária.
Nos anos
1960, João Saldanha já alertava que a especulação imobiliária havia destruído
os campinhos de várzea das periferias, celeiros dos fora de série, que sempre
nos sobravam no futebol. A mídia contribuiu para o declínio ao incensar o
futebol pragmático, e os técnicos preferiam os brucutus aos craques no meio de
campo. Movidos por uma ganância burra, as divisões de base privilegiaram os
jogadores fortes, mas desprovidos de chispa, para exportação. Só o Santos
aceita um magricela do porte de Neymar.
É por
essa, entre outras razões, que ele se tornou uma estrela solitária do futebol
brasileiro. O futebol foi não propriamente uma invenção, mas uma reinvenção
popular brasileira. Entretanto, no caos da globalização, o Brasil perdeu a sua
identidade.
Agora, o
esporte depende da educação. Por isso, o Brasil afundou, enquanto a Alemanha
ascendeu. O futebol brasileiro está tão desorganizado, desorientado e
desconectado quanto o país. Os 7x1 não ensinaram nada. A gente precisa aprender
alguma coisa com os erros. É a nossa única salvação.
(*) Severino Francisco, jornalista, colunista do Correio
Braziliense