Em fevereiro, o Supremo Tribunal
Federal tomou uma decisão histórica que provocou o pânico nos que assaltam os
cofres públicos: deliberou que réus condenados em segunda instância podem ser
detidos enquanto recorrem a tribunais superiores. Os ladrões de colarinho
branco tremeram, pois, pela primeira vez, poderiam ir para a cadeia.
Mas essa decisão está ameaçada por duas
ações, uma da Ordem dos Advogados e outra do Partido Ecológico Nacional (PEN),
que pedem ao STF que reconheça a constitucionalidade do Artigo 283 do Código de
Processo Penal (CPP). Segundo o referido artigo, ninguém poderá ser preso, a
não ser após a sentença condenatória transitada em julgado. A famosa presunção
de inocência, inscrita na Constituição, é novamente invocada.
No julgamento de fevereiro, o ministro
Teori Zavascki votou a favor da prisão a partir da segunda instância, sob o
argumento de que, nesta etapa, a fase de provas se esgota, e a pena pode ser
iniciada. A decisão do STF alinhava o Brasil nos parâmetros internacionais da
justiça e na urgência de interromper o ciclo da impunidade. Em nenhum outro
país é preciso que as ações transitem em julgado para que seja iniciada a
punição.
Se for revista, a decisão do STF
representará um tremendo retrocesso. A deliberação alcançava, principalmente,
os ladrões ricos, os de colarinho branco, que rapinam o dinheiro dos nossos
impostos, pagam bons advogados e empurram o caso com a barriga até que ele
prescreva no ritmo paquidérmico e kafkiano dos tribunais.
Como se vê, existem argumentos fortes,
contra e a favor, amparados pelas leis. Mas, na prática, a revisão do
entendimento firmado pelo STF em fevereiro representará o fim da Operação
Lava-Jato. Por que um meliante de colarinho branco faria uma delação premiada
se ele pode roubar milhões e permanecer livre, praticando novos delitos e com
dinheiro para gozar a vida e corromper mais?
Em nome da presunção de inocência,
muitos crimes são cometidos e muitos larápios se livram da Justiça. Como falar
em “presunção de inocência” para pessoas que roubaram bilhões da Petrobras,
assinaram delações premiadas confirmadas por investigações e tiveram as contas
bloqueadas fora do Brasil pela origem ilícita?
Em discurso de posse, Laurita Vaz, a
nova presidente do STJ, a segunda instância de julgamento mais importante do
país, afirmou: “Ninguém mais aguenta tanta desfaçatez, tanto desmando, tanta
impunidade”, disse. “A corrupção é um câncer, que compromete a sobrevivência e
o desenvolvimento do país, retira comida dos pratos das famílias, esvazia os
bancos escolares e mina a qualidade da educação, fecha leitos, ambulatórios e
hospitais, fulminando a saúde das pessoas. Enfim, corrói os pilares que
sustentam o ideal de civilidade e desenvolvimento”.
Votar pelo fim da prisão a partir da
segunda instância é votar no atraso, na impunidade e no incentivo à corrupção.
Sem esse entendimento da lei, o crime compensará novamente. Os próprios
meritíssimos já admitiram que o Brasil padece de corrupção sistêmica, que
carcome todas as instituições, como mostrou a Operação Lava-Jato.
O STF mais recente tem um histórico de
decisões corajosas, lúcidas e independentes a favor das células-tronco, contra
a censura das biografias e de condenação aos integrantes do Mensalão. Espero
que se mantenha nesta linha e alimente a esperança das pessoas honradas que
sonham com um Brasil mais decente.
Por: Severino Francisco – Jornalista -Colunista do
Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog-Google