“Há um mistério que faz com que Brasília não envelheça”
Depois de 60 anos da elaboração do Plano Piloto de Lucio Costa, que
grande diferencial da proposta destacaria?
Certamente, o jogo e a interação entre as quatro
“escalas urbanas” que comandaram o projeto (monumental, residencial, gregária e
bucólica), além da coragem de propor uma cidade pronta, e do fato de ela
despertar em quem vê hoje a Esplanada pela primeira vez, a mesma emoção dos
primeiros tempos. E a naturalidade com que propõe um modo de convívio urbano
diferente, nas superquadras, que pegou como se fosse uma planta. Adoro quando
vejo que, agora, quem defende a superquadra são seus moradores. Brasília
consegue ser, ao mesmo tempo, da sua época sem ser de época. Tem um mistério
qualquer que faz com que não envelheça.
A que atribui a vitória do projeto de Lucio Costa, em um concurso
que contou com mais de 20 concorrentes?
Lucio compreendeu, como nenhum outro concorrente, a intenção de JK, ao
decidir a mudança da capital, e levou a sério o presidente. Seu Plano Piloto
não é um trabalho teórico ou acadêmico, é uma proposta realista, feita com o
objetivo de ajudar JK a executar o que pretendia. O que Lucio apresentou no
concurso foi uma âncora viável, que Juscelino lançou no coração do Planalto Central.
Outros projetos que participaram do concurso previam prédios de até
80 andares na nova capital. Eles seriam viáveis?
Claro que não! Foi um projeto típico de quem não
levou JK a sério.
Algo deu errado na execução do projeto? O quê?
Nada deu errado. O desenvolvimento do Plano foi praticamente
concomitante com a implantação. A Novacap, sob o comando indispensável do
doutor Israel Pinheiro, criou o Departamento de Urbanismo e Arquitetura. A
Divisão de Arquitetura, pilotada por Oscar Niemeyer, com a colaboração de Nauro
Esteves, seu chefe de escritório, instalou-se em Brasília. E a Divisão de
Urbanismo, sob o comando de Lucio Costa, com a preciosa colaboração do
engenheiro Augusto Guimarães Filho, ficou no Rio, instalado em parte da
sobreloja do hoje Palácio Capanema. A equipe tinha 11 pessoas. E o fato é que
tudo correu bem, em tempo, sem correria e sem sufoco.
A senhora era uma jovem estudante de arquitetura quando
seu pai criou o projeto de Brasília. Que lembranças tem dessa época e desse
trabalho?
Eu estava no 3° ano da Faculdade Nacional de Arquitetura. Um dia, meu
pai me chamou e disse: “Vem cá, que eu quero te mostrar uma coisa”. A “coisa”
era Brasília! Ele fez o plano piloto absolutamente sozinho, em casa, e eu fui a
primeira pessoa a saber como seria a nova capital. Ou seja, aquela foi a
primeira vez em que ele verbalizou seu projeto. Era verão e o que me lembro é
que, quando terminou, sua camisa estava encharcada de suor, certamente, mais de
emoção do que de calor!
E qual foi a sua primeira impressão?
O que mais me espanta é que achei tudo normal. Projeto, mudança da
capital, tudo. Certamente, porque tive o privilégio de ser estudante no tempo
de JK, num Brasil confiante, divertido, alegre e realizador e, ao mesmo tempo,
da Bossa Nova, do Cinema Novo.
Este ano, também serão comemorados os 30 anos da inscrição
de Brasília na lista do patrimônio da Unesco. Diante dos
desrespeitos ao projeto da cidade, a capital ainda merece esse título?
Claro que merece. Não faço parte desse time que acha que qualquer coisa
desrespeita ou desvirtua o plano. Como meu pai disse uma vez, o que espanta em
Brasília não é o que ela tem de diferente, mas o que tem de parecido! E é por
ter tido, bem ou mal, sua identidade original preservada até hoje, que proponho
que a Bacia do Paranoá — a área delimitada pelo divisor de águas da Bacia do
Paranoá, ou seja, pela linha do horizonte de Brasília — seja formalmente
considerada o centro histórico da capital do Brasil, sujeita a fiscalização
diferenciada, a ser feita por comissão técnica de alto nível, com poder de
veto, criada para esse fim. Assim, qualquer arranjo que comprometesse a
“partitura” original seria vetado, e os que não comprometessem poderiam ser
aceitos. Preservar Brasília inclui preservar a paisagem até seu horizonte. Não
se trata de tombar, por favor!
(*) Por Helena Mader – Foto: Minervino
Junior/CB/D.A.Press – Correio Braziliense