Discursos
velhos e eleitoreiros não ajudam a resolver os problemas da saúde pública
*Por
Daniel Seabra
Poucas coisas podem ser mais
danosas a uma sociedade do que ficar à mercê de políticos e partidos que usam
um discurso e uma prática quando estão no poder e outro discurso e outra
prática quando fazem oposição. É a assunção de uma prática incoerente, oportunista
e eleitoreira, que aposta na ingenuidade e na falta de memória do eleitor para
obter seus dividendos. É parte do tipo de desrespeito ao cidadão que vem
gerando em alguns setores certo desencanto com a política. O discurso enganoso
de quem não quer resolver, mas somente aparecer durante as eleições.
A única tentativa anterior de estabelecimento de algo próximo à
Estratégia Saúde da Família na Atenção Primária no Distrito Federal deu-se
quando Maria José Maninha era secretária de Saúde, por meio da utilização de
uma Organização Social, o Instituto Candango de Solidariedade. Ou seja, no
poder, para tentar realizar uma mudança, valeu-se de uma ferramenta que hoje
critica. Teria ela à época se declarado incapaz de gerir o SUS? Por que omite a
parceria na época?
A coerência passa longe do discurso eleitoral. O uso da parceria à época
já evidenciava a necessidade de busca de novas ferramentas para enfrentar os
desafios da gestão da saúde pública. A utilização do Instituto Candango de
Solidariedade infelizmente foi desvirtuada e resultou mais tarde no desfecho
que conhecemos. A experiência não deixou raízes e foi fácil para o governo
posterior demolir inteiramente o Saúde em Casa, reduzindo a quase zero a
cobertura, obrigando esta gestão a recomeçar do início, felizmente em bases
mais sólidas.
O projeto atual de conversão da Atenção Primária não permite o convívio
do ultrapassado modelo tradicional com a consagrada Estratégia Saúde da
Família, que resultará numa mudança mais sólida, sustentável, difícil de ser
demolida no futuro. Uma mudança que a população já sente e que ficará como
legado.
A atual gestão da Saúde considera que é preciso ter coragem para inovar
na busca de soluções para a gestão de saúde pública, que é, sim, complexa e
carregada de desafios. A saúde exige um tempo de decisão urgente que é
incompatível com modelos ultrapassados de gestão. Por isso, buscam-se
alternativas, que, em nada, significam tornar privada a saúde pública, uma
conquista da Constituição Cidadã de 1988 e do nosso generoso Sistema Único de
Saúde.
A solução encontrada para o Hospital de Base — fruto de debate amplo, de
democrática aprovação pela Câmara Legislativa — vai nessa linha. O Hospital
segue público. Seu atendimento segue gratuito. E seguirá sendo referência. Sua
gestão continuará sendo definida pela Secretaria de Saúde. Gerido como Serviço
Social Autônomo, ganhará ferramentas para comprar e contratar mais rápido,
obtendo maior agilidade e eficiência para melhor atender à população.
Gerir algo desafiador e complexo como a saúde pública exige inovação e
ousadia. As velhas ideias, muitas vezes sacadas de forma eleitoreira, não foram
capazes de atacar os velhos problemas. Imagine-se, então, que eficácia terão
para atacar problemas novos...
(*) Daniel Seabra - Médico de família e
secretário adjunto de Assistência em Saúde da Secretaria de Saúde do Distrito
Federal – Foto/Ilustração: Blog - Google