Verticalização das construções e pouca distância entre prédios podem
aumentar temperatura em até 6ºC
Bancário Daniel Vilela passa o dia no ar-condicionado, mas sofre quando
tem que transitar entre os prédios do Setor Bancário Sul
A aposentada Noemia Batista sente a diferença de temperatura entre Águas
Claras e a Octogonal
*Por Walder Galvão
Tempo seco, umidade baixa e calor são características conhecidas do
clima sob o qual os brasilienses vivem boa parte do ano. No entanto, o que era
para ser um fenômeno natural está se agravando em áreas verticalizadas da
cidade. Brasília deveria ter o clima extremamente ameno, mas grandes
construções no Distrito Federal geram ilhas de calor. Estudos e especialistas
apontam o aumento da temperatura nos Setores Bancários Sul e Norte e na região
de Águas Claras. A variação pode ser de até 6°C e o calor permanece por mais
tempo. A falta de vegetação e de planejamento são as principais causas desse problema.
A especialista em arquitetura e urbanismo e bioclimatismo da
Universidade de Brasília (UnB) Marta Bustos Romero explica que há aumento da
temperatura nas áreas com mais construções. “Realizamos estudos nos setores
bancários Sul e Norte, na área próxima ao Noroeste e orientei uma dissertação
de mestrado sobre Águas Claras. Todos os resultados apresentaram temperatura
superior às regiões com mais verde”, ressalta. A estudiosa diz que a diferença
é perceptível. “Se sairmos dessas áreas de concreto e formos até o Parque da
Cidade, por exemplo, notaremos a diferença instantaneamente”,
assegura.
Marta alerta que o fenômeno pode se expandir para cidades em processo de
verticalização, como Samambaia e o Noroeste. “Sem dúvida, as ilhas de calor
começam com a construção das cidades!”, diz. Segundo ela, os materiais urbanos,
como concreto e pavimentação, têm capacidade diferente dos elementos naturais.
“A luz do sol é refletida para a atmosfera, porém, esses elementos absorvem o
calor e não devolvem instantaneamente. As superfícies ficam aquecidas e a
temperatura só volta a ser redistribuída à noite”, esclarece. Com isso, ocorre
o aumento do calor tanto no período diurno, quanto no noturno, além da
dificuldade de ventilação.
Os danos poderiam ser amenizados com o adequado planejamento antes de
construir, o que passa pela qualidade dos materiais utilizados nas edificações,
uma vez que podem amenizar os danos. “Outro fator que influencia
diretamente as ilhas de calor é o que nós denominamos de morfologia urbana. Ou
seja, a altura e a distância entre os edifícios, bem como a inclusão de áreas
com vegetação devem ser pensados”, alerta a estudiosa.
Ela lembra que muitas regiões do Distrito Federal foram construídas
descontroladamente. Por isso, até mesmo a capacidade de absorção de água pelo
solo é prejudicada. “Nossos estudos são realizados por satélite. É
impressionante, por exemplo, como uma área com bastante verde, como o Parque da
Cidade, apresenta temperatura mais amena do que a Asa Sul”,
comenta.
Doenças respiratórias As ilhas de calor alteram até mesmo o
comportamento humano. Segundo Marta, as pessoas passam a adquirir meios
alternativos para se refrescar, como o uso do ar-condicionado e acabam
prejudicando ainda mais a situação, porque esses equipamentos também devolvem o
calor ao meio ambiente. Além disso, pode ocorrer o agravamento de doenças
respiratórias, o estresse e prejudicar diretamente crianças e idosos, que têm a
saúde mais sensível.
Uma dissertação de mestrado realizada em 2011 pela especialista em
arquitetura e urbanismo Andiara Campanhoni previa o problema que a pouca
distância entre os prédios de Águas Claras causaria. O estudo mostra que a
temperatura pode variar entre 28°C e 33°C durante o ano. Em comparação com as
áreas mais abertas, o índice pode ser superior até 6°C. O ideal seria que os
prédios tivessem distância de 10m, no entanto, o planejamento da cidade mostra
que as construções foram planejadas e executadas com 5m de
distância.
Com isso, parece ser mais quente dentro de casa. A aposentada Noemia
Batista, 73 anos, relata que a diferença é altamente perceptível. “Moro em dois
lugares com minhas sobrinhas, fico revezando lá e cá. Em Águas Claras, sinto
muito calor, principalmente, à noite. A secura também é grande, não paro de
beber água”, se queixa. Na outra residência da aposentada, na Octogonal, a
situação é diferente. “Lá, até parece que faz mais frio. Nunca tinha parado
para pensar que isso podia ser influência dos prédios. Até a ventilação aqui
(Águas Claras) é menor”, lamenta.
A mulher veio da Bahia há 30 anos e afirma sentir falta do clima úmido.
“Lá faz calor, mas é bem diferente. Porém, sinto que aqui está piorando cada
vez mais. Todo ano que passa, a quentura aumenta e a gente acaba adoecendo”,
reclama.
A situação no Setor Bancário Sul não é diferente. Quem trabalha no local
reclama do calor acima da média. Segundo o bancário Daniel Vilela, 35, as altas
temperaturas entram em contraste com as áreas mais arborizadas. “Moro no
Noroeste, próximo ao Parque Nacional, e sinto a diferença diariamente. Quando
chego em casa, fico até aliviado”, conta. No prédio onde o bancário trabalha, o
ar-condicionado fica ligado o dia inteiro. No entanto, ele precisa transitar
entre os outros edifícios do lugar. “Passo o dia todo de terno, por isso, sofro
ainda mais. A única coisa que posso fazer é reforçar na hidratação”,
comenta.
Carros x clima
O grande número de veículos estacionados em um mesmo espaço geográfico
também atinge diretamente a temperatura e a umidade relativa do ar. Dois
estudos realizados em 2015, por pesquisadores da UnB, avaliaram os índices nos
setores bancários Sul e Norte. Eles constataram um aumento de até 2,5°C e
redução considerável da umidade nos horários e dias em que há mais carros
estacionados próximos às edificações.
Marta explica que os automóveis parados também absorvem calor e causam
um fenômeno parecido com o dos prédios. “Cada vez mais estamos piorando a
situação. A população aumenta e o número de veículos, também”, lamenta. As
pesquisas também comprovam que, nas áreas próximas aos setores sem
estacionamento, a temperatura é mais amena.
A especialista ressalta que é possível diminuir os impactos das ilhas de
calor de três maneiras. “Podemos minimizar a quantidade de carros parados nos
estacionamentos, trocar o material da pavimentação por um de cor mais clara e
investir em arborização”, sugere. A especialista comenta que, na Califórnia,
nos Estados Unidos da América, o governo trocou o material das calçadas por
outro menos escuro para que ocorra menor absorção do
calor.
O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) informa que é realizado o
monitoramento da temperatura em quatro estações meteorológicas, localizadas na
Rodoviária do Plano Piloto, Asa Norte, Fercal e Jardim Botânico. De acordo com
o analista ambiental e meteorologista do órgão, Carlos Henrique Rocha, com o
auxílio da medição, a ideia é elaborar um planejamento para que haja
intervenções nas ilhas de calor. “Para este ano, pretendemos utilizar imagens
captadas de satélites capazes de identificar esses pontos e começar projetos
para mudar a situação, como investir em arborização”, explica.
Acima da média » Águas Claras é uma das regiões administrativas mais
verticalizadas do Distrito Federal. Ao todo, são 40.171 apartamentos, segundo
levantamento da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan-DF). » A
temperatura pode variar em até 6°C nas áreas verticalizadas. Janeiro
fecha com chuva Após o fim do período de veranico no Distrito Federal, a
previsão é de chuva até o fim de janeiro. De acordo com o Instituto Nacional de
Meteorologia (Inmet), as precipitações devem ser fortes e com curta duração. “Teremos
trovoadas e rajadas de vento pontuais. As precipitações devem ocorrer no
período da tarde, quando há maior aquecimento”, explica a meteorologista do
órgão Ingrid Peixoto.
(*) Walder Galvào – *Estagiário sob supervisão de Margareth
Lourenço - (Especial para o Correio) - Fotos: Barbara Cabral/CB/D.A.Press
– Correio Braziliense