A imagem, conservada pelo
Arquivo Público, mostra a avenida central do Núcleo Bandeirante, que
concentrava a população que se mudou para o Planalto Central nos primeiros anos
da construção de Brasília
Para que fosse consolidada como capital do país,
vencendo a intransigência de opositores ou de servidores que não aceitavam a
transferência para o Centro-oeste, Novacap precisou ceder a diversas exigências
*Por Flávia Maia
Brasília nasceu cercada de exigências. A jovem
cidade precisou ceder às mais diversas solicitações e caprichos para se
consolidar e superar tanto a forte oposição política quanto de parte do
funcionalismo público que não aceitava a transferência da capital federal do
Rio de Janeiro para o meio do Planalto Central. Os pedidos para se instalarem
na nova capital eram dos inusitados aos impossíveis, dos críveis aos lunáticos.
Assim como partiam dos mais diferentes perfis: de interesseiros a sonhadores,
de investidores a curiosos.
Meses antes da inauguração de Brasília, em 1960, a
Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) era o coração da
administração da cidade prestes a ser inaugurada. Pessoas e instituições se
dirigiam ao órgão ou ao próprio presidente Juscelino Kubitschek para tirar
dúvidas, listar necessidades e pedir. Pedir de tudo: mapa da localização de
Brasília, mensagens de boas-vindas, apartamentos, benefícios comerciais,
terrenos, emprego etc. Até a publicação de poema e o tipo de fechadura que
deveria ser usado no prédio público em construção faziam parte das
solicitações. A Novacap centralizava todas as demandas porque a Companhia
Imobiliária de Brasília (Terracap) só passou a existir em 1973.
As identidades dos donos dos pedidos também eram
diversas: do pequeno comerciante de Itararé (SP) a general do Exército. De
funcionário público à Embaixada dos Estados Unidos. Os ofícios podem ser
encontrados no acervo do Arquivo Público do Distrito Federal. O Correio
selecionou alguns exemplos feitos poucos meses antes da inauguração da cidade e
nos primeiros anos de sua existência.
Informações sobre a nova capital eram solicitações
constantes. O Brasil todo estava ansioso para saber as novidades da façanha
brasileira. Fotos, exemplares da Revista Brasília — periódico produzido durante
a construção — e mapas eram regularmente solicitados. As informações eram tanto
para abastecer cidades do interior quanto para esclarecer estrangeiros. O
professor da pequena cidade de Estrela (RS) Arcênio Drehuer queria folhetos e
mapas para apresentar Brasília em sala de aula e “proporcionar aos moradores do
interior uma visão mais ampla e um conhecimento mais aprofundado a respeito da
futura capital brasileira”. Por isso, em fevereiro de 1960, requereu o material
ao governo brasileiro.
O paulista Celso Carlos Magno, morador de Itararé
(SP), escreveu que tinha um pequeno comércio e queria saber da Novacap “se é
possível um comerciante, (...) manter-se e fazer um bom movimento comercial” na
nova capital. Queria saber ainda se haveria um mercado municipal e quais seriam
os incentivos para os comerciantes se instalarem em terras brasilienses. A esse
ofício, a empresa pública respondeu que somente uma visita poderia responder
aos esclarecimentos.
Antes da
criação da Terracap, em 1973, a Companhia Nova Capital era o coração da
administração da cidade e responsável por obras como a construção do Congresso
Nacional (alto) ou das rodovias (acima). A empresa ainda recebia mensagens com
variadas solicitações (abaixo)
Poema
Norival Francisco de Sá pedia para que o seu poema
Que é nossa Brasília fosse publicado na Revista Brasília, afinal, segundo ele,
era o primeiro poema feito na capital, em dezembro de 1957. A jornalista Helena
Ribeiro da Silva morava em Porto Príncipe, capital do Haiti, e exigia que a
Novacap enviasse dados estatísticos e informações sobre Brasília o mais rápido
possível. Por isso, queria que os papéis com os dados fossem enviados de avião.
A ideia da jornalista era apresentar a cidade aos principais jornais haitianos.
O cidadão Oswaldo Silva, de Maceió, queria fotos da
nova capital para exibi-la aos amigos dele que viviam no exterior. O estudante
de direito de Petrópolis (RJ), Paulo José Deister também queria mandar aos
amigos estrangeiros as novidades da cidade do Planalto Central. Nem todos os
pedidos catalogados no Arquivo Público têm a resposta da Novacap — porque
realmente não foram respondidos ou os papéis não ficaram catalogados.
Alguns pedidos inusitados — ou despropositados —
não foram atendidos. A empresa Veritas S/A, por exemplo, queria um terreno para
construir um drive-in, ou seja, um estabelecimento em que o cliente tem acesso
ao produto ou serviço sem sair do carro. Mas não era só isso. A companhia
exigia ainda que a Novacap importasse a aparelhagem necessária por conta
própria. Em seguida, a empresa arrendaria os equipamentos para colocar o cinema
em funcionamento. Nesse caso, a solicitação foi um pouco longe demais e a
Novacap negou o pedido.
As Forças Armadas também fizeram inúmeros
requerimentos. Em um deles, datado de dezembro de 1968, um engenheiro cobra o
acabamento do prédio em que seria instalado. A mudança estava prevista para
fevereiro do ano seguinte e ainda não havia fechaduras, vidros, fechos e
painéis de arremate. Outra solicitação, de 1978, foi em relação à área do Clube
do Exército. Embora tivessem um tamanho definido pela doação, os militares
alegavam que precisavam de um local maior para a construção de pista de
equitação e linha de tiro de revólver.
A Embaixada dos Estados Unidos também não poupou
solicitações nos primeiros anos de Brasília. Uma delas era um terreno para a
construção de uma escola exclusiva para filhos de norte-americanos, na 113 Sul,
“junto aos apartamentos do pessoal da embaixada”. Os pedidos de permuta de
lotes também eram uma constante. O terreno da embaixada foi aumentado para
abrigar as necessidades dos estadunidenses. Um pedido de lote para a construção
de um centro cultural do país também foi atendido pela Novacap.
Em 1961, o arcebispo de Brasília recebeu uma
negativa em relação à reserva de lotes de doação para a construção de igrejas
no Plano Piloto e em Taguatinga. “a) Tendo em vista que ainda se encontra em
estudos o loteamento do Setor Norte; b) que as projeções na ampliação estão
sendo alienadas sob o regime de leilões”, diz o documento.
Em 1972, o Instituto de Planejamento Econômico e
Social (Ipea) solicitou 30 lotes residenciais na Península Sul para os seus
funcionários pelo Programa de Consolidação da Capital Federal. A resposta da
Novacap foi imediata: não havia mais terrenos disponíveis no endereço
pretendido. Quem demorou demais a fazer os pedidos acabou não sendo
contemplado.
(*) Flávia Maia – Fotos: Arquivo Público – Arquivo CB/D.A.Press –
Correio Braziliense