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Para onde vai a UnB?

Assembleia geral no ICC, em que se decidiu pela greve estudantil: embate entre direita e esquerda

*Por  Luiz Calcagno – Pedro Grigori 

Em meio à mais séria crise financeira de sua história, a Universidade de Brasília, que deveria ser espaço de reflexão e de busca por soluções, se transforma em um local de enfrentamento ideológico e de manifestações de intolerância

No mesmo ano em que a Universidade de Brasília (UnB) aparece pela primeira vez na lista das melhores universidades de países emergentes, feita pelo centro de pesquisa britânico Times Higher Education (THE), crise orçamentária e brigas ideológicas de baixo nível intelectual tornam hostil o clima nos corredores do câmpus Darcy Ribeiro. Depredação de centros acadêmicos, greves estudantis, agressões verbais e pichações com discursos de ódio expõem uma lamentável e anacrônica realidade. A politização de ambientes universitários é um fenômeno comum, faz parte do amadurecimento político dos jovens, segundo especialistas, mas a falta de um debate propositivo entre os lados é visto como algo extremamente negativo.

O único consenso entre a comunidade acadêmica é a identificação da pior crise financeira vivida pela instituição desde que foi criada, em 1962. Em abril, um grupo de cerca de 500 estudantes ocupou por 19 dias a Reitoria da UnB, na busca por acesso ao orçamento da instituição e por uma reunião para debater a situação atual (leia Para saber mais). O impasse continuou. Após a desocupação, movimentos estudantis se mobilizaram e decretaram greve. Pelo menos 25 centros acadêmicos aderiram ao movimento.

Faixa em reação à greve foi instalada no Restaurante Universitário

Mas a mobilização dos grevistas sofreu reações entre os próprios estudantes. Ocorreu uma série de confrontos entre grupos contrários e a favor da paralisação. Estudantes fizeram piquetes para impedir a entrada a alguns prédios da instituição. Alguns integrantes da Faculdade de Agronomia contrários à greve questionaram a ação, e um bate-boca se formou em frente ao Instituto Central de Ciências (ICC) Sul, com relatos até de agressão a uma universitária grevista em 3 de maio. Na madrugada do dia seguinte, o Centro Acadêmico de Agronomia (Caagro) amanheceu depredado  — o caso continua em investigação.

O professor emérito David Fleischer entrou na UnB em 1972. Parte do Instituto de Ciência Política, ele relembra que, durante toda a trajetória na universidade, vivenciou momentos de conflitos ideológicos, principalmente nas duas primeiras décadas, com ataques do governo militar e de grupos extremos. “Sempre houve dois lados políticos dentro da UnB, o que é bom, faz os alunos passarem por aprendizagem. Mas também é comum grupos não tolerarem manifestações contrárias. Na democracia, todos têm direito de se manifestar, e quando isso não ocorre dentro da UnB, é um problema”, afirma.

Adda de Melo, estudante de direito, acredita que é momento de refletir

Segundo o pesquisador, tanto o ambiente político nacional quanto a crise orçamentária da universidade fazem com que os ânimos fiquem ainda mais à flor da pele, mas, no momento, os protestos estão mal direcionados. “Não dá para brigar entre si, perturbar aulas ou provocar prorrogações do semestre. A luta não é entre os alunos. É necessário que os dois lados se reunirem para traçar uma solução que busque o melhor para toda a universidade. Seja ir para o Congresso, seja protestar com o MEC. Mas não dá para ficar brigando uns com outros”, explica (leia mais na página na 24).

Naturalização 
Ter o direito de dizer o que pensa é uma das premissas mais importantes de uma democracia. Mas e quando o discurso deixa de ser liberdade de expressão e se transforma em discurso de ódio? Esse é um dos questionamentos levantados por estudantes como Adda de Melo, 19 anos, que cursa o 3º semestre de direito. “A liberdade de expressão é uma conquista, precisa ser respeitada. Mas temos que refletir muito sobre a naturalização da intolerância”, afirma, em relação a episódios de ódio e de confronto dentro da universidade.

Seja exposto em paredes ou escondido em portas de banheiro, ainda existem pichações dizendo que a UnB não é lugar para negros ou incitando violência a homossexuais. “Historicamente é percebido que vivemos ondas de conservadorismo. Após o impeachment de 2016, a população brasileira, que já tinha uma cultura autoritária, passou a aflorar esse comportamento, que antes estava guardado”, afirma Adda, ao explicar os exageros. “Temos que travar as lutas de resistência na universidade. Como a greve geral, por exemplo, mas tudo tem que ser feito de forma conversada, e que envolva toda a comunidade universitária”, argumenta.

Reflexo do país
Para a reitora da Universidade de Brasília, Márcia Abrahão, o acirramento das polaridades políticas dentro da instituição é um reflexo do momento vivido no país. “Isso representa um momento que a sociedade vive, não só no Brasil, como no mundo. Não podemos nos desvincular da sociedade. O que acontece aqui dentro é o reflexo do que ocorre lá fora. E isso pode ser preocupante, pois as pessoas estão cada vez mais intolerantes, desrespeitando a diversidade. Temos que trabalhar fortemente para que elas convivam. Sempre estivemos à frente do nosso tempo, na vanguarda, e a expectativa é que as pessoas aprendam a respeitar mais as diferenças”, avalia.

Apesar de comparar o cenário político dos câmpus da UnB com o nacional, Márcia Abrahão não vê uma situação de embate iminente. Ela destaca que parte da sensação de polarização é provocada pelas eleições de chapa do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB). “O que posso dizer é que a universidade está funcionando, os órgãos colegiados estão funcionando com alguns focos de greve. Não está perceptível, para mim, que os ânimos tenham se acirrado. Na última semana, tenho sentido que a comunidade tem convivido de forma pacífica, com respeito mútuo a quem está e a quem não está em greve, algo que tem que se dar por convencimento”, afirma.

Reconhecimento internacional
O Times Higher Education (THE), centro de pesquisa britânico dedicado a avaliar instituições, colocou a UnB na faixa das 201-250 melhores universidades do mundo. A avaliação é feita anualmente. Para a composição do ranking, o THE avalia ensino, pesquisa, citações (influência da pesquisa), visão internacional (relativa à equipe de pesquisadores, estudantes e ao próprio resultado de estudos) e transferência de conhecimento para a indústria.

Para saber mais - Crise financeira
As contas da UnB estão no vermelho. E o risco de fechar as portas é iminente. De 2013 para cá, segundo a Reitoria, o custeio da instituição quase dobrou, saltando de R$ 806 milhões para R$ 1,451 bilhão. Enquanto o crescimento do orçamento não seguiu o mesmo passo, indo de R$ 1,2 bilhão para R$ 1,7 bilhão. De acordo com balanço orçamentário, a UnB deve terminar o ano com deficit de R$ 92,3 milhões. Para minimizar os efeitos da crise, a universidade reduziu o valor dos contratos para prestação de serviços terceirizados, o que levou à demissão, por parte das empresas, de mais de 1,5 mil trabalhadores do ano passado para cá. Cerca de 1,1 mil estagiários contratados pela universidade podem ser demitidos a partir do dia 30, e o preço da refeição no Restaurante Universitário (RU) pode chegar a R$ 6,50, subindo 160%.

Ataque ao CA de agronomia
A depredação do Centro Acadêmico, em 2 de maio, está sob investigação

Em 2 de maio, o Centro Acadêmico de Agronomia (Caagro) sofreu um ataque, atribuídos pelas vítimas a estudantes de esquerda. A depredação aconteceu durante a madrugada e os responsáveis ainda não foram identificados. Vândalos picharam toda a fachada do prédio, acusaram os estudantes do curso de serem fascistas e escreveram frases como “Morte ao agronegócio”, “Respeita as mina”, “Resistência LGBT”, além de palavras de xigamentos. O interior do CA também foi danificado e teve de passar por reformas.

Segundo estudantes do curso e membros do CA, os ataques continuaram nas redes sociais. A postura radical incomodou até mesmo quem é favorável à greve. O Conselho de Entidades de Base do movimento estudantil divulgou uma nota repudiando o ataque ao Caagro e pedindo unidade entre estudantes e outros setores da universidade.

A reitora da UnB, Márcia Abrahão, acionou a Polícia Federal. Ela considera o ataque ao Caagro como um atentado à democracia no câmpus. “Não podemos tratar estudantes de maneira diferente. Nem estigmatizar. Os alunos de agronomia são universitários como todos os outros, assim como o CA deles é um CA como de todos os outros. Isso fere a democracia da universidade. O CA é uma entidade emblemática dentro do processo universitário. Se permitimos qualquer ataque, diremos que a democracia não deve ser respeitada”, destaca.

A reitora reforça, ainda, que os responsáveis também responderão administrativamente. “Vemos algo muito grande, com ações de todos os lados. O de 2 de maio, inclusive. Independentemente de quem fez e por que fez, são ataques de intolerância que não são aceitos em uma sociedade desenvolvida e democrática. Repudiamos qualquer violência ou ataque sob qualquer argumento. Como gestão, temos a responsabilidade de tomar as medidas cabíveis também internamente.”


(*) Luiz Calcagno – Pedro Grigori – Fotos: Antonio Cunha/CB/Press -  Google - Correio Braziliense

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