A igrejinha azul de Lucio Costa que a crônica
dedica a Rhuan. O urbanista deixou o projeto de uma igreja caiada de branco com
caixilhos de vidro cor de anil. Bela, moderna e colonial. (Por Conceição Freitas)
Sabe aquelas aparições que te tomam por inteiro,
aquele alumbramento diante de uma obra de arte ou de uma força da natureza? Foi
o que aconteceu quando vi os croquis (apenas croquis!) de uma igrejinha de Lucio Costa que nunca foi construída
– e só então entendi por que os arquitetos dão igual importância a projetos
executados e aos que não saíram do desenho.
Seria uma igreja colonial, com a simplicidade
comovente do período, mas é moderna. É colonial e moderna ao mesmo tempo, sem
nenhum risco fora de lugar. Como se ele tivesse conseguido, com um projeto,
escrever em concreto e vidro o que articulava em palavras desde que largou a
arquitetura eclética para buscar no começo do Brasil a singularidade da
arquitetura moderna brasileira.
A igrejinha sem nome faz parte do
projeto de vila operária de Monlevade, apresentado (e não aprovado) em concurso
de uma companhia siderúrgica belgo-mineira em 1934. Como nos demais prédios, as
paredes da igreja de concreto não teriam nenhum revestimento – seriam apenas
caiadas de branco, num efeito rústico, interiorano, do Brasil do primeiro
século.
O espanto – aquele de que fala Oscar
Niemeyer – está nos cobogós que ocupam a única torre e as duas
fachadas laterais e o altar. Um templo dedicado aos caixilhos de cimento que a
arquitetura moderna trouxe dos muxarabis da arquitetura árabe. O
ver-sem-ser-visto dos avarandados do período colonial.
A igrejinha operária de Lucio Costa teria caixilhos
de 0,30 cm x 0,30 cm, revestidos com vidros que “poderiam ser de cor azul para
fazer contraste com as paredes caiadas de branco”. Os vidros cor de anil seriam
fixos ou em lâminas, tal qual venezianas. Desse modo, criaria “uma certa
atmosfera de recolhimento – aconselhável nesse gênero de edifícios”. Teria três
naves delimitadas com pilotis.
Na vila operária de Lucio Costa,
a igreja ficaria numa praça central, ao lado do cinema e em frente ao armazém.
O arquiteto reservou ao encontro com a fé o lugar mais alto do terreno
acidentado. Um pátio externo rodearia o pequeno templo azul e branco ao qual se
teria acesso por uma escadaria levemente circular.
Igrejas modernas não são exatamente um lugar de
recolhimento – a Catedral de Brasília, com todo o seu esplendor de vitrais, é
um ambiente devassado pela luz, mais apropriado para uma casa de festas ou um
centro cultural do que para as celebrações de crença e louvor a Deus.
Lucio Costa soube recolher-se em delicado louvor
arquitetônico colonial, brasileiro e moderno e nos deixou uma obra de arte em
forma de igreja.
Essa crônica sobre beleza, simplicidade e fé é
dedicada a Rhuan, o menino de Samambaia. Gostaria de ter escrito mais
sobre ele, mas não encontrei forças para lidar com tamanha crueldade. Rhuan já
é um anjo como aqueles que vivem nas igrejas e nos céus.
Por Conceição Freitas - Metrópoles