test banner

Aventureirismos urbanos


Aventureirismos urbanos

*Por Circe Cunha

No livro  “Morte e Vida  de Cidades”, de Jane Jacobs,  lançado em  1961, e que viria a ser, imediatamente, um best-seller na área de desenvolvimento do planejamento urbano das grandes cidades,  sua autora ousou, em pleno apogeu do movimento modernista na arquitetura, época marcada principalmente pela construção de Brasília, criticar o modelo funcional dessas novas cidades, sobretudo, a falta de consideração de muitas delas em relação ao indivíduo, à escala humana e ao desprezo das necessidades sociais das populações que residem nesse espaço.
Obviamente que esses pontos fundamentais foram meticulosamente pensados pelo idealizador da nova capital, Lúcio Costa, que, de certa forma, conseguiu contornar esses problemas, graças, a sua ampla formação humanista e ao alto conhecimento técnico e inovador de seu projeto. Dessa forma, por exemplo, projetou e ordenou os espaços em quatro grandes escalas, de forma a dar mais racionalidade à vida de seus ocupantes, dando o mesmo nível de importância a todas as necessidades básicas. Essa era, na sua visão, uma questão de suma importância, já que, em suas próprias palavras “é o jogo de escalas que vai caracterizar e dar sentido à Brasília(…) a escala residencial ou quotidiana(…) a dita escala monumental, em que o homem adquire dimensão coletiva; a expressão urbanística desse novo conceito de nobreza(…) e finalmente a escala gregária, onde as dimensões e o espaço são deliberadamente reduzidos e concentrados, a fim de criar clima propício ao agrupamento. Podemos ainda acrescentar mais uma quarta escala, a escala bucólica das áreas abertas destinadas a fins-de-semana lacustres ou campestres.” É claro que, nesse sentido, a crítica de Jacobs aos processos de reurbanizações que ocorriam por todo o mundo não se encaixavam plenamente no conceito elaborado para a nova capital.
Brasília, no modelo pensado por Lúcio Costa, possuía uma escala humana bem marcada e disposta em todas as superquadras.  Mas há que notar que, da mesma que forma que experimentam os seres humanos, também as cidades parecem cumprir um ciclo natural que vai da sua fundação, passando por sua expansão máxima, até a sua decadência e, em muitos casos, a sua própria morte.
Brasília, apesar de sua tenra idade, em relação a outras pelo mundo afora com milênios de existência, passa por um tipo peculiar de envelhecimento precoce. Isso decorre não por culpa de seu projeto de concepção original, mas, tão somente, por causa dos seguidos descaminhos tomados pela capital, principalmente, a partir da introdução da chamada maioridade política, quando a cidade passou a ser modificada pelos caprichos e incúria de cada um de seus novos governantes, juntamente com o auxílio do nefasto pragmatismo político de sua câmara de representantes.
É a esse ciclo perverso que faz com que a cada quatro anos a cidade vá inchando e adquirindo novos problemas, que tornam precoce nosso processo de envelhecimento. É nesse sentido também que se insere a nova polêmica de transformar a área do Setor Comercial Sul, vocacionada a esse setor, em área residencial, sem que, contudo, as autoridades entendam que esse não é um problema apenas pontual que diz respeito ao SCS, mas, e sobremaneira, integra um problema muito maior, que começa justamente pela renovação total de todo o eixo que compreende as W3 Norte e Sul e englobam os setores comerciais dessas duas asas. O mais correto e preliminar seria obrigar os governantes a lerem o livro do autor da cidade, intitulado “Registro de uma Vivência”, de Lucio Costa, antes de quererem, “cometer” e pôr em prática, qualquer alteração momentânea numa cidade pensada para ser um exemplo para o mundo.
*****
A frase que foi pronunciada: “Não é função do Estado proteger o cidadão do mal que causa a si mesmo, mas é seu dever defendê-lo do que possam fazer contra ele.(Drauzio Varella, médico sanitarista)
(*) Circe Cunha - Coluna "Visto, lido e ouvido" - Ari Cunha - Foto: veja.com/VEJA - Correio Braziliense 



Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem