Santos Lima afirma que o esquema contra Moro é
muito sofisticado.
Ex-integrante da Lava Jato, Carlos
Fernando dos Santos Lima acredita que os ataques desferidos às autoridades da
operação, após o vazamento de conversas entre procuradores da República e o
então juiz Sérgio Moro – atual ministro da Justiça e Segurança Pública -, sejam
parte de “uma campanha orquestrada”, com “objetivo claro de libertar Lula“. O
ex-presidente está preso em Curitiba desde abril de 2018, condenado por
corrupção e lavagem de dinheiro.
Aposentado em março do cargo de
procurador regional da República, Santos Lima foi membro da força-tarefa da
Lava Jato em Curitiba de 2014 – quando foi deflagrada a primeira fase da
operação – até 2018.
O
senhor foi alvo dos hackers também?
Eu
saí da Lava Jato em setembro de 2018 e por decisão pessoal de ter um período de
afastamento ético de qualquer informação interna de seis meses antes de minha
aposentadoria, deletei todos os grupos de trabalho no Telegram e desinstalei o
aplicativo naquele momento. Aparentemente não fui atacado.
O
nome do sr. apareceu em novas publicações do site The Intercept supostamente
conversando com o ex-juiz Sérgio Moro. O sr. reconhece os diálogos e uma
suposta combinação sobre como reagir aos ataques feitos pelo ex-presidente Lula
após depoimento?
Como
me manifestei, desconheço completamente as mensagens citadas, supostamente
obtidas por meio reconhecidamente criminoso. O “órgão jornalístico” volta-se
contra mim, aparentemente incomodado pelas críticas que tenho feito ao péssimo
exemplo de “jornalismo” que produz. Creio que o “órgão jornalístico” deve uma
explicação de como teve acesso a esse material de origem criminosa, e quais
foram as medidas que tomou para ter certeza de sua veracidade, integridade e
ausência de manipulação. A liberdade de imprensa não cobre qualquer
participação de jornalistas no crime de violação de sigilo de comunicações.
Quando
soube da invasão dos aparelhos dos colegas da forca-tarefa? Ficou
surpreso?
Soube
quando estava em viagem por Portugal com mãe e irmãos. Na segunda metade de
maio, possivelmente. Não fiquei surpreso. Fiquei surpreso que tenha demorado
tanto. As organizações criminosas que enfrentamos na Lava Jato são poderosas,
e, acuadas como ratos, era natural que reagissem.
Há
riscos para a Lava Jato, para imagem da operação?
A
Lava Jato provou que a política brasileira se financia com o crime. Usa da
corrupção para financiar campanhas eleitorais milionárias, para controlar
estruturas partidárias e para os bolsos próprios, naturalmente. Nada disso
mudou. As provas continuam aí para que todos vejam. A crise é artificial, uma
farsa, mas uma mentira repetida mil vezes pode se tornar uma verdade nas mentes
dos brasileiros. Estamos enfrentando um tipo de campanha muito bem orquestrada.
E
para os processos, há riscos de nulidade?
Não
há juridicamente a menor possibilidade, pois não se pode considerar que
notícias de um órgão de imprensa, vinculado ideologicamente com os interesses
de condenados, seja considerada prova de qualquer coisa, salvo da vontade de
libertar Lula. Cadê os arquivos? Como foram recebidos? Houve manipulação? É
possível fazer perícia? Qual é a participação da Intercept no crime? Não fosse
só esses poréns, tudo é ainda originário de um crime contra a própria Justiça,
pelo que não há qualquer viabilidade de ter efeitos jurídicos.
A
quem interessa o hackeamento de autoridades da Lava Jato?
A
resposta está nos diálogos que foram revelados. Com tantas autoridades
atacadas, interessante notar o foco exclusivo em libertar Lula e destruir
Sérgio Moro.
O
sr. vê autoria ou mando único entre quem hackeou e a divulgação desse material?
O
ataque foi centralizado, altamente sofisticado, com um custo que ultrapassa em
muito a capacidade financeira e tecnológica de meros hackers amadores em porões
na casa da mamãe, como romanticamente são descritos. O hackeamento e a
divulgação obedeceram comando único, dotado de um orçamento milionário e
possivelmente com recursos tecnológicos de fora do País.
O
material pode ser usado em processos, como fez a defesa de Lula agora?
O
material, como já disse, não tem valor. Prova por notícia? Se a moda pega,
basta produzir um material apócrifo e entregar a um jornalista preguiçoso ou
leniente e, voilà, algum (ministro do Supremo) Gilmar Mendes irá dar crédito.
Pode
ser caracterizado como uma tentativa de obstrução à Lava Jato?
É
claro que sim. Houve diversos crimes e a Polícia Federal deve descobrir o
culpado.
Sobre
o conteúdo, mesmo que o material tenha sido obtido ilegalmente, houve relação
ilegal entre o juiz da Lava Jato e a acusação?
Essa
é uma discussão sem sentido. A relação entre juiz e procuradores, juiz e delegados,
juiz e advogados se dá diuturnamente. Questões procedimentais, exposição de
pontos de vista e explicação de futuros pedidos são comuns. Somos todos
conhecidos, não amigos, de mais de 20 anos. Não há nada de irregular nas
conversas. Essa é a prática judiciária. Observo, novamente, que não se pode
atestar que essas conversas não tenham sido editadas, motivo pelo qual nada
disso significa qualquer coisa relevante.
Quando
o juiz questiona andamento das operações da investigação, questiona método de interrogatório
do Ministério Público Federal ou combina recebimento de denúncia-crime, não há
desequilíbrio entre as partes?
Como
disse, a questão está sendo tratada com certo farisianismo. Informar estado de
investigações é necessário para explicar pedidos cautelares. O juiz reclamar
das partes e de suas decisões acontece direto, inclusive em audiência. Quantas
vezes fui conversar com juízes sobre liminares e eles disseram simplesmente:
“Nem gaste saliva, Doutor, a decisão liminar sai ainda hoje”. Isso acontece com
a defesa também. Ou será que os três parlamentares do PT estavam de graça na PF
antes mesmo da liminar do desembargador (do TRF-4 Rogério) Favreto sair? Não
reconheço validade a nenhuma conversa, e mesmo assim não vejo nada especial
nelas.
Houve
conluio entre a força-tarefa e o juiz Moro no caso das supostas conversas sobre
escutas de Lula e Dilma Rousseff, sobre a informação de transferência de
imóveis dos filhos de Lula?
Me
parece que houve a comunicação ao Ministério Público de supostos crimes que o
juiz teve conhecimento.
Como
recebeu a reação ao conteúdo, como os pedidos de afastamento de Moro e do
coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol encampado pela OAB, ministros do
Supremo e advogados acusando relação indevida nos diálogos?
Com
incredulidade. Considero que há muitos garantistas de fachada, que se valem de
supostas conversas criminosamente obtidas para valerem seus interesses.
Gostaria de saber como reagiria Gilmar Mendes se aparecesse uma conversa
apócrifa em seu nome. Será que pensaria da mesma maneira? Aliás, no passado ele
foi flagrado conversando com um investigado que estava sofrendo medidas
cautelares. Qual foi a explicação? No passado Gilmar visitou na calada da noite
o presidente Michel Temer, que era objeto de denúncia da Procuradoria-Geral da
República. Alguma explicação? Tudo é cercado de muita e muita hipocrisia. Tudo
é dirigido para soltar Lula. Será que o triplex não existiu? Que não houve
corrupção na Petrobrás? Que o Brasil é o país das maravilhas e todos nós devemos
ser governados, bestializados, por uma cleptocracia?
É o
mais duro ataque sofrido pela Lava Jato nesse cinco anos?
É um
ataque covarde e criminoso, perpetrado por uma organização criminosa que,
valendo-se de um jornalista ideologicamente comprometido e leniente, pois até
agora não explicou como isso tudo veio parar em suas mãos, nem como procurou
aferir a veracidade, autenticidade e integralidade das conversas, consegue
criar esse falso drama com conversas pinçadas segundo o objetivo claro de
libertar Lula. É um ataque grave, e o Estado não pode permitir que tenha
sucesso, pois se tornaria em um precedente para novos ataques e novas notícias
apócrifas surgirem. A Lava Jato acostumou-se a ataques mentirosos, mas a
sordidez deste ultrapassou qualquer limite.
Fausto Macedo, Julia Affonso e
Ricardo Brandt
Estadão
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JUSTIÇA