Os acordes de
Brasília. O número de artistas instrumentais aumentou, mas ainda faltam espaços
e financiamento para esse gênero musical
*Por Melissa Duarte
Junto ao Clube do Choro, a
Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional é referência em música instrumental
na cidade.
Música
precisa ter letra? Os artistas instrumentais estão aí para provar que não. Esse
gênero vem crescendo no Distrito Federal e ganhando admiradores. Tem piano,
fagote, violoncelo, bateria e bandolim, entre outros instrumentos. Os novos
artistas querem justamente desmistificar a ideia de que esse som é difícil de
ser compreendido pelo grande público.
“Brasília
é um grande celeiro de músicos, de instrumentistas”, observa a pianista,
compositora e arranjadora Iara Gomes. Ela trabalha com jazz, toca há mais de
sete anos e lançou o primeiro disco, chamado Dois Cantos, em 2018. Além de
instrumental, o álbum é autoral e independente — duas variáveis a mais nessa
equação que já é difícil. “Se eu quisesse viver só do autoral, não teria tanto
espaço”, analisa a artista, que é mestre em música pela Universidade de
Louisville, em Kentucky, Estados Unidos.
A música
faz parte da história e da memória de Brasília. “É muito importante que nós,
brasileirinhos, saibamos de onde viemos”, afirma o presidente do Clube do
Choro, Reco do Bandolim. O local é uma das referências na cidade para esse
gênero musical. “Acho que o melhor produto que a gente tem é a música. É como
as pessoas reconhecem o Brasil lá fora. E Brasília, hoje, é uma cidade que não
deve nada a ninguém, está na linha de frente da música”, orgulha-se o
multi-instrumentista.
Renato Vasconcellos: número de
músicos cresceu e espaços diminuíram
Bandeira
A banda
Funqquestra é um coletivo que reúne 30 músicos, que vivem em Brasília, São
Paulo ou Rio de Janeiro. Porém, eles nunca estão no palco ao mesmo tempo: oito
deles se revezam a cada apresentação. A ideia, agora, é expandir o público. “A
nossa bandeira é fazer uma música instrumental para todos”, afirma o baterista
Bruno Gafanhoto. Surgido em 2012, o grupo já lançou dois CDs.
Iara considera
que o trabalho é bem recebido pelo público. Para ela, outras dificuldades são a
falta de público e de logística nos espaços da capital. “Só com piano eu acho
que dá pra viver, mas é uma coisa incerta”, relata a musicista. Por isso, Iara
precisa inovar: além do trabalho autoral, ela participa de outros projetos na área
e é professora de piano popular na Escola de Música de Brasília (EMB).
“A cidade
cresceu, o número de músicos cresceu, o público cresceu, mas os espaços
diminuíram”, relata o pianista e diretor musical Renato Vasconcellos, que vem
de uma família de músicos. “O músico que consegue transitar entre a música
erudita, usando teoria musical, e a popular, com a improvisação, amplia muito
sua linha de trabalho”, afirma ele, que também é chefe do Departamento de
Música da Universidade de Brasília (UnB).
O maestro da
Orquestra Sinfônica de Brasília, Claudio Cohen, vai além. “Existe uma demanda
que não está sendo atendida”, lamenta. Além disso, ele também relata a falta de
espaços, de fomento e de políticas públicas na cidade para essa área. Porém, o
cenário melhorou no ano passado, com a contratação de 25 músicos para a
orquestra, a única oficial da cidade.
Banda
Funquestra: música instrumental para todos. Edital de música, Procurada pelo
Correio, a Secretaria de Cultura do DF não tem dados específicos sobre a
quantidade de artistas, de rendimento e de verba destinada especificamente à
música instrumental. O órgão informa que o Fundo de Apoio à Cultura do Distrito
Federal (FAC-DF) tem um edital de música, chamado Gravação, previsto para
agosto e sem previsão de valor. Em 2018, esse edital foi lançado duas vezes e
liberou R$ 1 milhão para todos os gêneros musicais.
Para
Gafanhoto, ter criatividade nos negócios tem ajudado a superar as dificuldades.
Assim, o grupo vem conquistando novos mercados. “A gente apostou num público e
em lugares que não tocavam música instrumental. Ao mesmo tempo em que existem
dificuldades, você tem uma quantidade de público crescente, sedento por esse
estilo”, relata ele, que também é líder da Funqquestra. “Mas esse próprio
processo de abertura dos espaços foi longo”, pontua o músico, que é o único a
tocar em todos os shows do coletivo.
No entanto,
esse estilo vai além da escolha profissional: pode, também, fazer parte da vida
e do imaginário das crianças. Juliana Santos entrou para a musicalização
infantil na EMB em 2007, aos 10 anos. A artista passou pelas aulas de teoria e
de flauta doce até escolher o fagote, por influência da professora. “Comecei a
tocar e nunca mais parei. Eu me apaixonei totalmente pelo instrumento”,
confessa ela. “Fagote é um instrumento raro aqui em Brasília, no Brasil em
geral, vem mais da Europa”, lembra ela. A musicista toca regularmente na banda
Brasília Sopro Sinfônica, projeto social no qual também dá aulas.
Exportadores de som
Noemi Porto
toca violoncelo. Assim como Juliana, a artista começou a aprender o instrumento
na EMB, aos 17 anos, e, depois, levou os estudos para a UnB, aos 21. “Casamento
é o que nunca falta. Música orquestral também, mas, infelizmente, não com tanta
frequência como nas grandes metrópoles, como São Paulo, onde o número de
orquestras é muito maior”, relata Noemi.
Juliana sonha
alto e, para isso, sente que precisa sair de Brasília. “O que eu quero para
minha vida é tocar em orquestra. Por isso, eu tenho muitos planos de ir para
fora, fazer um mestrado nos Estados Unidos ou na Alemanha, onde o fagote é mais
reconhecido”, conta ela, que está quase se formando em Música, com habilitação
em fagote, na UnB. “Somos exportadores de músicos instrumentais para Rio de
Janeiro e São Paulo”, corrobora Renato, que está na cena instrumental
brasiliense desde 1976.
(*) Melissa Duarte - Fotos: Alan Moreira - Thais Mallon - Correio
Braziliense
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