As almas mais honestas
Nunca
antes na história de uma democracia, bandidos aplaudiram tanto uma suprema
corte quanto a do Brasil, por um conjunto de decisões recentes. Uma delas, a de
proibir que servidores do Coaf (que agora se chama UIF) e da Receita alertem
imediatamente o Ministério Público quando perceberem movimentações financeiras
suspeitas. Outra, que parece feita sob medida para destruir a Lava-Jato, a de
criar norma inexistente no ordenamento jurídico brasileiro, estabelecendo que
réu delatado tem o direito de apresentar alegações finais depois de réu
delator. E, agora, teme-se que determine a mais abrangente e temida de todas: a
de que condenados só podem ser presos após esgotado o último recurso no STF. Ou
seja: praticamente, nunca.
Observem
o conjunto da obra: todas as decisões são favoráveis a quem comete crime. Em
nenhum dos casos, busca-se a proteção da sociedade contra malfeitores. No caso
dos órgãos de inteligência, funciona assim no mundo inteiro: caso percebam
indícios de ilegalidade, têm a obrigação de alertar imediatamente para ajudar o
Estado a agir o mais rápido possível contra o suposto larápio. Agora, eles só
poderão avisar depois que a Justiça — “cega”, como bem sabemos, e com a
“rapidez” que lhe é peculiar — autorizar. Vazaram a informação e constrangeram
o magistrado? Ora, apure-se e puna-se quem cometeu o ilícito. Simples assim.
Mas, fechar os olhos ao crime?
No
caso do réu delatado, o vexame perpetrado pelo STF, de usurpar o lugar do
Legislativo e legislar para desmontar a Lava-Jato, foi explicitado em plenário
por integrante da própria corte, o ministro Marco Aurélio Mello. “Passa a
transparecer a ideia de um movimento para dar o dito pelo não dito em termos de
responsabilidade penal, com o famoso jeitinho brasileiro. E o que é pior: em
benefício não dos menos afortunados, mas dos chamados tubarões da República”,
disse Mello. Na mosca. Eis a questão: danem-se os milhões de brasileiros
prejudicados pelos ladrões que roubaram bilhões dos cofres públicos, dinheiro
que tanta falta faz a hospitais, escolas, estradas, segurança, investimentos
para criar empregos...
Agora,
os brasileiros que aplaudem a Lava-Jato, maior operação de combate à corrupção
da história do país, temem um golpe fatal na força-tarefa e no enfrentamento ao
crime: o fim da prisão em segunda instância. Enquanto países põem criminosos na
cadeia logo após julgamento na primeira instância, como Estados Unidos, Reino
Unido e França, ministros do STF dizem ver, na Constituição, dispositivo
segundo o qual, inacreditavelmente, réus mantêm a “presunção de inocência”
mesmo após condenados em até três graus de jurisdição. Pior: alegam que essa
gente só pode ser presa depois de o STF bater o martelo no caso. Basta saber
ler para ver que não há nada disso na Constituição. Mas não se trata da lei e do
que está escrito. Sem “notório saber jurídico”, jamais vamos entender que
nossos bandidos são as almas mais honestas deste país! Certamente, roubam pelo
nosso bem e não compreendemos. São os verdadeiros guerreiros do povo brasileiro.
Por
Plácido Fernandes Vieira – Correio Braziliense - Foto/Ilustração: Blog-Google
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JUSTIÇA