Gisèle
Santoro sempre adorou a cidade, o verde, a possibilidade de ter um beija-flor
na varanda. “A gente sai ali embaixo, pega manga e vem comer em casa. A gente
se sente ligado à natureza.
Eu me sinto como se estivesse no campo, mas ao
mesmo tempo na cidade”, diz. Foto: Paulo H. de Carvalho/Agência Brasília. Giséle Santoro, um “Pas de Deux” com a capital. Aos
81 anos, essa incrível bailarina ainda continua a ensinar sua arte. E tem muita
história para contar sobre sua relação com a cidade, a partir da própria
inauguração, em 1960, quando dançou balé em cima do Congresso Nacional
32 dias para os 60 anos de Brasília
Em homenagem à capital federal, formada por gente
de todos os cantos, a Agência Brasília está publicando, diariamente,
até 21 de abril, depoimentos de pessoas que declaram seu amor à cidade.
“Minha história com Brasília é muito longa porque
eu dancei na inauguração da cidade, em cima do Congresso. Minha mãe era
diretora da Câmara dos Deputados, e meu tio era vice-presidente da Casa.
Depois, minha mãe, com a mudança da capital, teve que vir para cá. Em 1962,
deixei o corpo de baile do Municipal (no Rio de Janeiro) porque a diretora saiu
de lá e revolveu montar uma companhia de dança particular.
O (maestro) Cláudio Santoro era muito amigo dela e
tinha acabado de chegar em Brasília para montar o Departamento de Música da
Universidade de Brasília (UnB). No começo, naquela primeira fase, ele ficou
encarregado de criar uma vida cultural na cidade, organizava concerto e tudo o
mais.
Eu dançava balé com músicas do Cláudio. Ele morava
naquela época junto com outros professores na UnB, num prédio chamado Centro de
Dança, na época chamado alojamento da Petrobrás. Foi assim que o conheci e aí
começou um romance de amor. Eu era casada com o Oscar Castro Neve, precursor da
bossa nova, que disse para mim: ‘Se eu fosse mulher eu também me apaixonaria
por ele’. Ele era fã do Cláudio total, da música do Cláudio.
Aqui você olha
para o horizonte e está olhando desde o nascente até o pôr do sol. Vê a Lua
nascer que nem um queijo e depois ficar linda de morrer lá em cima. Aqui você
abre a porta e já está no jardim, está na piscina, está no lago. Essa é a
qualidade de Brasília.
Fizemos uma viagem pela Europa e viemos para
Brasília em 1963, mas não durou muito tempo, não, porque com a revolução de
1964 fomos para o exílio na Alemanha, retornando só em 1978. Retornarmos porque
o Cláudio era apaixonado por Brasília. Ele voltou cinco anos depois de ele se
aposentar na Alemanha.
Eu, na verdade, não queria voltar. Foi a época mais
feliz da minha vida os anos que eu passei na Alemanha. A gente estava
maravilhosamente bem lá, éramos muito respeitados, mas Cláudio, muito mais do
que eu, era totalmente ligado a Brasília, como se fosse um filho que ele não
tinha conseguido levar adiante, a obra que ele começou aqui e tinha que
continuar.
Eu sempre adorei a cidade, sendo o que ela é, o
verde que ela tem, a possibilidade de você ter um beija-flor na sua varanda, um
morcego… coruja, gavião, tudo aparece aqui. A gente sai ali embaixo, pega manga
e vem comer em casa. A gente se sente muito ligado à natureza. Eu me sinto como
se estivesse no campo, mas ao mesmo tempo na cidade.
Eu detesto uma cidade que você tem que olhar para
cima para ter que olhar o céu, como São Paulo ou Nova York. Aqui você olha para
o horizonte e está olhando desde o nascente até o pôr do sol. Vê a Lua nascer
que nem um queijo e depois ficar linda de morrer lá em cima. Aqui você abre a
porta e já está no jardim, está na piscina, está no lago. Essa é a qualidade de
Brasília. O único drama para mim e que não deixa a cidade ser perfeita é porque
a parte cultural dela, assim como é no Brasil, é jogada pras cucuias. Se essa
cidade fosse criada na Alemanha, o que seria em material de cultura…
Um dos prazeres que Brasília me deu foi ter criado
o Seminário Internacional de Dança, que este ano vai para a 30ª edição e que já
mandou quase nove mil bailarinos para o exterior com bolsas de estudos e
contratos. Tem um menino de Samambaia que hoje é diretor de uma cia de dança no
Canadá. Tem uma menina de 16 anos que trabalha num teatro na Alemanha que ganha
uns mil euros por mês. Tudo isso, mais do que orgulho, representa uma missão de
vida. Porque eu sou único, você é único, ele é único, talento não se joga fora,
quando não aproveito você é o planeta que perde, a cidade que perde e a gente
faz isso aos milhões.
O que espero para Brasília e para o Brasil é que a
educação seja mais valorizada. Ela é tudo para o ser humano, tudo.”
Gisèle Santoro, bailarina,
Agência Brasília - Fotos: Paulo H. de Carvalho - Depoimento
concedido ao jornalista Lúcio Flávio
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