Por Victor Dornas.
O fluxo incessante de informações pela
via digital estimula a síndrome de oráculo. Diariamente, figuras conhecidas do
jogo político opinam sobre tudo em redes sociais num padrão agitado
de profusão de ideias desgarradas, eloquentes, sedentas por “likes”, a moeda digital. Se
houvesse o prenúncio do apocalipse, milhões de pessoas gastariam seus instantes
derradeiros para debater a questão em redes sociais. O escritor Olavo de Carvalho não é cria deste mundo digitalizado. Ao contrário,
adaptou-se. Algumas vezes até me recorda um pouco do jornalismo irreverente de grandes
figuras do passado como por exemplo o saudoso Paulo Francis.
Franz Paulo Trannin da Matta
Heilborn, conhecido como Paulo Francis, não era um dramaturgo, mas foi um
crítico audaz da dramaturgia e dissidente do "Trotskismo". Não recorria aos palavrões, contudo prezava pelo
bom deboche. Nem tudo eram flores naquele tempo, é verdade. Longe disso. É que
o saudosismo não sobrevive sem uma boa mentira. Francis, no entanto, morreu
dizendo a verdade. O coração não aguentou a pressão do burocrata capaz de mover
o céu e a terra fruindo dessa coisa que chamamos de “estatais”. Mas isso não
ofusca o mérito e maestria de diplomacia de uma figura que conseguiu ser quem
ele quis, sem recorrer ao refúgio do oprimido. Francis incomodava, com
elegância, e ainda continuava ali, com aqueles incomodados, pois assim é a
vida. A psicanálise em suas assimilações mais populares difunde algumas reflexões
interessantes que alcançam o senso comum. Uma dessas reflexões é a ideia de que
há dois tipos de reações de um certo perfil psicológico de líder defronte ao
ambiente hostil. Há aquele que se vê líder e que se impõe, buscando controlar o
grupo e há também o seu oposto, o que se frustra e que precisa mudar de grupo para tentar controlar um
novo. Francis incomodava, mas ali convivia. Já o Olavo saiu, para depois incomodar.
A internet potencializou o refúgio
dos oprimidos e uma das manias mais contumazes a despeito do anacronismo é um
vandalismo com a memória de figuras históricas. “Marx disse isso... Mises disse aquilo, etc.” Nunca,
na história humana, se viu tantas discussões sobre figuras da economia, ou da
filosofia, partilhadas por pessoas que não leram os autores que dizem
defender e, com isso, entende-se que a reserva de informação, ou do conhecimento, no passado, tinha um lado positivo ou até razão de ser, ou seja, uma melhor triagem de quem estaria
apto a debater, ou até a começar a falar.
Mas é nessa selva digital atual que o
escritor Olavo de Carvalho pontua sobre tudo. Seus inimigos declarados aguardam,
no entanto, ansiosamente é por seus posicionamentos pretensamente científicos. Olavo
diz estar travando uma guerra cultural onde o capital concentrado em magnatas é
aplicado no domínio da informação e, sendo ele um autêntico filósofo, sua
função seria de mostrar a luz aos coitados que seriam dominados por esses
camaradas multimilionários, arquitetos sociais. Esses ricaços então
impulsionariam os discursos de massa, como por exemplo as causas identitárias,
para exercer controle e manter sua situação hegemônica. Já ele, Olavo, não
promove rixa identitária pois sua intenção é nobilíssima, não quer hegemonia e sim pluralidade de debate. E há quem acredite nisso. Então, como esse grupo
de coitados, nós, os imbecis coletivos, já estamos prostrados pelas ideologias implantadas pelos tais magnatas,
Olavo se refugia e ali instaura uma nova resistência, um grupo de notáveis escolhidos por ele próprio, um grupo capaz de quebrar
essas rédeas e libertar os subjugados. Entrando na brincadeira de invocar filósofos mortos, invoco Nietzsche que, em suas depressões mais demoníacas,
gostava de se debruçar sobre essa sanha por “gurulatria” para entender o
fenômeno humano, onde aquele que nasce desprovido de exuberâncias naturais, por ser
visto como desfavorecido em certos aspectos, busca então contornar a realidade para nela
se engrandecer.
A última façanha de Olavo de Carvalho
foi chamar de censura a interrupção de uma “live” em que resolveu tecer
comentários sobre a pandemia do covid-19. Um de seus alunos e arauto do site “Terça-Livre”
disse que toda essa “histeria” em razão da pandemia seria o “terraplanismo” da
ciência. “Terraplanismo” é a alcunha dada a pessoas que, em 2020, acreditam que
a hipótese do nosso planeta não ser um planeta e sim uma espécie de domo
achatado não é apenas viável, mas bastante provável. Olavo se diz intrigado com
a questão pois, ao se empenhar, quase como cientista, sobre os experimentos feitos por
internautas terraplanistas de aferição com réguas acerca da planicidade de superfícies
aquáticas, não logrou uma resposta para o problema. Intrigante, de fato. Além disso, tem por hábito
divulgar expoentes deste “movimento”, talvez por entender que o mascaramento
dessa provável realidade, isto é, a do nosso planeta ser uma pizza, também
esteja nos planos vis dos magnatas do poder. Então como forma de réplica,
depois dos inimigos terem achincalhado seu mestre, o tal rapaz do site Terça
Livre diz que na verdade terraplanismo mesmo é este exagero da mídia em relação ao furor
do covid-19. Ora po... bolas!
A justificativa que esse rapaz apresenta para sustentar sua constatação é
que o somatório de óbitos pelo vírus Influenza não aumentou. Vejam só! O rapaz também cita
dados da pandemia de 2009 do H1N1 para inferir que a pandemia de covid-19 não
teria muito potencial. O governo estadunidense fechou suas portas, arcando com bilhões em prejuízo, por puro fricote, vejam vocês. E faz isso em cinco minutos! Basta uma consulta ao
google, onde ele mesmo mostra como chegou aos tais dados. Especialistas das
áreas mais diversas, infectologistas, o governo dos EUA, tudo isso se fez desnecessário. Bastou ali uma
consulta de dados de um surto mais antigo no google para o nosso prodigioso salvador inferir que a taxa de contágio
deste novo vírus não é grande coisa. Olavo foi além e disse que a pandemia,
neste sentido, sequer existe, pois acha que é necessária a realização de
necropsia caso a caso para montar uma estatística. Os terraplanistas obviamente
não são pessoas que dedicaram suas vidas ao estudo científico. São curiosos que
exercem ofício numa área qualquer, como por exemplo, a de segurança de boate ou
técnico de computação, mas, através da internet, consultando o Google, concluíram
que todos aqueles milhões de indivíduos que se dedicam à ciência deixaram de
notar a obviedade de que o planeta seria uma pizza e não uma “bola giratória”.
Não apenas os cientistas, mas os navegadores, pilotos e tudo mais. Nunca
notaram as reais medidas.
Alucinações coletivas motivadas por
delírio de grandeza não são novidades na nossa história e a internet certamente potencializa
o ridículo. A relevância desta alucinação específica de que basta o google para
ser parecerista sobre o covid-19 é que o nosso presidente parece ser um dos ouvintes.
E o vírus, claro, agradece. Nada interessa
mais ao vírus do que ser menosprezado. Exatamente o contrário do ser humano. O
vírus é a antítese da vida e por isso só quer ser notado quando já for tarde
demais.
(*) Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas – Foto/Ilustração: Blog-Google