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O MARTELO DE LUIZ FELIPE PONDÉ (*Victor Dornas)


Por Victor Dornas
O melhor do mercado é a reinvenção diária dos gostos, da diversidade e também da precificação das demandas. A vida é movimento e avança partindo da destruição. Diferentemente do cinema que é das artes mais rentáveis e por isso oferece de tudo e mais um pouco a fim de angariar a maior quantidade de pessoas possíveis, a filosofia não comporta tanta maleabilidade. 

A filosofia por natureza é provocadora, ainda que um filósofo reconheça os seus impulsos por espetáculo. A rigor, a filosofia não seria a melhor das ofertas para os conformados, felizes e sadios. A filosofia é para os desgraçados. Sempre foi. Mas o mercado é um fenômeno tão insaciável que a filosofia acaba sendo usada também para entreter e motivar, rendendo muita grana aliás. Imagine o que um Espinoza diria sobre isso. 

Mas em seu canal de Youtube, Pondé parece mais à vontade para registrar ali em algumas linhas uma parte do seu pensamento. Para quem assiste conhecendo as regras do jogo, suas provocações são divertidíssimas. Para quem ainda está em busca de um sentido, ou da concordância narcísica, ou seja, os mais neuróticos, aí pode ser sim um tormento.

Diante disso a minha ideia aqui é fazer um contraponto amistoso a respeito do último dos seus vídeos que se pretende adequado ao surto de covid-19. Trata-se de um ensaio sobre a paranoia. E olha, para os moldes do nosso querido Pondé, o vídeo é até bastante terapêutico, embora uma boa parte das pessoas talvez ache meio “forte” quando ele afirma, por exemplo, que a despeito dos cuidados enfatizados em decorrência do vírus, o risco é uma constante. 

Não há escapatória. O universo conspira para a nossa destruição a todo instante. Mas o melhor pensamento do vídeo na minha opinião é o seguinte. Como psicanalista, Pondé opta por desconstruir consensos e sua área de atuação parece estar voltada para as ilusões megalômanas da vida moderna. As ilusões de pureza, de conforto. A ética em si. E neste vídeo ele diz que o primeiro passo para aquele que quer alimentar uma paranoia é buscar sentido em tudo. Perfeito. Como neurótico reconheço a ideia como indubitável. 

Vale esclarecer que a neurose na acepção técnica freudiana não é um pejorativo e sim uma condição humana. Só o bicho não é neurótico. O que nos permite a convivência entre pares é o controle dessas paranoias sendo o psicanalista o conhecedor da melhor forma de expô-las. Então, de fato, Pondé está certo quando diz que o vídeo por controle ou por desvendar o sentido das coisas é uma espécie de vaidade que conduz ao surto. Não o surto virótico, mas o surto das emoções, muito mais incurável do que qualquer vírus. 

Aquele que não se vê em certa dose nessa crítica do Pondé é talvez um desconhecido para si mesmo, um conformado. Disso nada tenho a discordar. É irretocável. O problema na argumentação começa, a meu ver, quando ele diz que o vírus não aparece para ensinar nada ao ser humano. Claro, Pondé é ateu. 

Eu também não vejo graça na maioria das explicações sobre nossa condição existencial, mas o ateísmo nunca me apeteceu. E talvez por isso eu note mais facilmente uma falha argumentativa da parte dele ao dizer que nada tem sentido e que isso, aliás, seria terapêutico ao neurótico com ilusões de controle. Aí reside uma incoerência argumentativa já que o niilismo também é uma ilusão de controle.

A questão é a seguinte: Hoje fui ao mercado, em plano surto pandêmico e, como de praxe, vi pessoas suplicando pela caridade alheia. Possíveis moradores de rua, pedintes. E vi pessoas que se aproximavam e com isso se arriscavam, para dar ali algum alimento pra eles. Vi gente que encostou neles, veja só! Num surto pandêmico, um abraço vale ouro. Tudo bem, sei que não é preciso ver sentido em tudo para ser generoso. Ocorre que na prática, por sermos racionais, não há ausência de sentido em sentido estrito. 

Há a lógica. A lógica diz que não se deve aproximar de pessoas num momento como este. A lógica contraria a solidariedade a todo o instante. Admita, a caridade normalmente é ilógica. E por ser tão ilógica, tão insana, é que talvez a caridade exija uma certa dose de loucura por parte daquele que, diante da imensidão e da violência de um universo hostil, ou de um criador silencioso e talvez perverso, ainda ache que é perfeitamente viável crer num sentido.

A lógica, ou a matemática das coisas como filosofia também é uma ilusão de controle. E talvez essa incoerência seja o equilíbrio que nos permite um mínimo arbítrio, consideradas todas as contingências que nos moldam e nos tornam tão pouco originais. Pondé, já diria o músico Seal, sem uma certa dose de insanidade não se vive. Não há como testemunharmos um episódio como este, onde milhares de pessoas deixam de existir, sem criarmos um monte mentiras na esperança de deixarmos alguma verdade.   

É o equilíbrio entre a lógica e a insanidade. Entre o controle e a caridade.

A caridade é um pouco insana! Um pouquinho só...




(*) Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas – Foto/Ilustração: Blog-Google 





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