“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de
Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou! Eu não vou esperar ferrarem
minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém
da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar!
Se não
puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe?
Troca o ministro. E
ponto final.” Jair Bolsonaro, segundo seu engavetador geral.
Por Victor Dornas
Conforme já esclareci nessa coluna, há uma guerra política
interna na Polícia Federal formada por facções ideológicas, fato que expõe
ainda mais a urgência deste órgão dotado do maior poder estatal possível, isto
é, o poder de destruir quem quer que seja, de estar devidamente subordinado ao
controle de uma corregedoria eficiente ou ainda aos três poderes.
Não se trata apenas de “prender bandido”, pois, num país onde
a corrupção é o maior dos panfletos políticos, aquele que detém as rédeas deste
órgão que, por sua vez, dispõe de estrutura e tecnologia de ponta para rastrear
aquilo que bem quiser, pode manipular o jogo segundo seus próprios interesses
sem que a população perceba, afinal, trata-se de um órgão dos mais
prestigiados.
Bolsonaro interferiu na PF para proteger seus aliados,
inclusive parentes? Sem dúvida. Isso é, per se, motivo para deposição? Sem
dúvida. Não podemos deixar de pontuar, entretanto, que não se trata de uma
insurgência isolada de um político, então presidente, e sim de uma disputa antiga onde outras pessoas muito influentes neste jogo político também exercem seu domínio obscuro no controle de
diligências do órgão.
Sérgio Moro, o bastião da maior operação de corrupção já feita no Brasil não saberia disso? Claro que sim. E se sabe, não previu que Bolsonaro teria ânimo em intervir nas indicações do órgão para “cuidar dos seus”? Também sabia. O que houve com Moro então?
Sérgio Moro, o bastião da maior operação de corrupção já feita no Brasil não saberia disso? Claro que sim. E se sabe, não previu que Bolsonaro teria ânimo em intervir nas indicações do órgão para “cuidar dos seus”? Também sabia. O que houve com Moro então?
Primeiramente, sempre, o aspecto humano. Tudo começa e
termina na psicologia.
Amigo leitor, alguma vez você já se viu incomodado num grupo,
por exemplo no whatsapp quando até seus próprios familiares decidem levantar
bandeira para algum político? Quando Moro, diante das falas descabidas ocorridas
na fatídica reunião realizada em 22 de abril simplesmente silenciou-se e
levantou, havia nele esse exato sentimento. No momento que os ministros exageravam nas bravatas, como por exemplo Weintraub, que disse nessa reunião oficial que
Brasília era um cancro, que no Supremo só tinha "filho de prostituta", aquilo tudo funcionara como uma demarcação de território, uma imposição de lealdade ao presidente.
Os ministros falavam daquela forma para medir o grau
de resiliência e devoção do ex-juiz que estava ali presente e, provavelmente, indisposto ao dessabor da adulação diária prestada por estes ministros, Weintraub e Damares.
Uma situação social de pressão irresistível, de indignação, que todos nós, sobretudo nesse ínterim de revanchismo político iniciado
desde os governos petistas temos sentido em nosso dia a dia. Moro não abandonaria
o cargo apenas por isso, de certo.
Outros fatores pesaram também. O fato do presidente se eximir
de discussões no plenário sobre pautas propostas por Moro, um idealista nato e
não um oportunista de situação, maculam o tempero da falsa amizade. Quando
Bolsonaro permite que seus filhos atuem em órgãos de inteligência, também
prejudica o caldo.
Quando o presidente resolve tratar a questão mais séria já vivenciada pela saúde pública brasileira em toda a sua história com politicagem barata (a gripe espanhola, embora muitíssimo mais letal, ocorreu quando o Brasil era um fazendão muito maior e não detinha uma demanda administrativa tão complexa), Moro então se desgasta com uma velocidade proporcional ao desgaste vivido por aqueles eleitores que ainda apoiavam o presidente e se viram estupefatos com as ações mais recentes de Bolsonaro diante do momento de crise.
Quando o presidente resolve tratar a questão mais séria já vivenciada pela saúde pública brasileira em toda a sua história com politicagem barata (a gripe espanhola, embora muitíssimo mais letal, ocorreu quando o Brasil era um fazendão muito maior e não detinha uma demanda administrativa tão complexa), Moro então se desgasta com uma velocidade proporcional ao desgaste vivido por aqueles eleitores que ainda apoiavam o presidente e se viram estupefatos com as ações mais recentes de Bolsonaro diante do momento de crise.
Então Moro já sabia que Bolsonaro mexeria na Polícia desde o início e talvez até estivesse disposto a conviver com o fato, em certa medida já esperada.
A pressão no relacionamento de ambos se deu desde meados de 2019 em diversas
situações e Moro sabia que precisava persistir no cargo para garantir o mínimo
de decoro no alto escalão de um órgão indevidamente politizado para garantir o
sucesso do próprio governo. A mudança repentina se dá exatamente no momento em
que parentes e deputados mais próximos ao presidente entram na mira da PF e o
presidente, já desgastado por ser um fabricador de crises, decide se aliar com
a banda podre do congresso que tem repulsa com a imagem de Sérgio Moro.
As pessoas precisam entender que, caso Bolsonaro seja
devidamente contido por Celso de Mello, que não tem por dever respeitar as
orientações de Augusto Aras e, de ofício, isto é, por vontade própria, pode liberar, a qualquer momento, o
vídeo da reunião na íntegra e o episódio da novela Bolsonaro
seja concluído na devida vênia, isso não significa, nem de longe, que a PF
estará livre da politização indevida. Na verdade, enquanto o Brasil for o país da corrupção e a prisão de políticos notórios for a notícia que lidera os noticiários
diários, o órgão continuará sendo o imbróglio mais complicado de um sistema de
governo disfuncional.
Ao eleitor do populismo, de esquerda ou direita, não cabe uma
análise profunda dos fatos. A PF é apenas a polícia, as vezes vítima de ingerências políticas.
O leitor astuto, entretanto, compreende que o órgão auferiu vida própria. Com arma e tecnologia de ponta nas mãos, num ensaio de estado paralelo.