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Brasília: "O tesouro do Banco Central"




Com um rico acervo de 554 obras, a instituição abriga uma das melhores - e menos exploradas - galerias da capital

Por trás de suas indevassáveis janelas escuras e abaixo de seu piso térreo, o edifício do Banco Central (BC) abriga um tesouro quase desconhecido pelos brasilienses. Trata-se de um acervo de arte moderna que inclui alguns dos mais importantes pintores brasileiros do século passado. Di Cavalcanti, Candido Portinari e Tarsila do Amaral estão à frente de uma seleção de 27 notáveis artistas plásticos. Ao todo, o conjunto tem 554 obras, que chegaram aos cofres da instituição por caminhos tortuosos, numa espécie de efeito dominó causado por uma série de falências nos anos 70 e 80.

Essas preciosidades hoje estão a salvo de tais intempéries. Ficam guardadas no sexto e último subsolo do BC, protegidas por homens armados, mantidas ao abrigo da luz e sob temperatura constante de 20 graus. São vizinhas daquilo que, por ali, é conhecido como depósito de segurança do meio circulante. Tradução: o lugar onde o dinheiro recém-impresso pela Casa da Moeda fica estocado, esperando para ser distribuído aos bancos. É uma área na qual nem os funcionários do BC entram, a não ser com ordem expressa do chefe do setor, solicitada com 48 horas de antecedência.

Oitenta e duas obras desse acervo, contudo, encontram-se expostas gratuitamente na mostra Vanguarda Modernista, inaugurada em outubro de 2011 e com término previsto para março de 2014. Nas paredes estão 33 telas de Di Cavalcanti, três de Portinari, treze de Tarsila e doze de Vicente do Rego Monteiro. Apesar dessas credenciais, a galeria de arte do 8o andar do Banco Central, aberta ao público desde 1989, é pouquíssimo visitada. Sua existência, por vezes, passa despercebida até por quem trabalha no banco. Os recepcionistas estão mais acostumados a dirigir os visitantes ao Museu de Valores, com sua coleção de arte numismática, do que às pinturas do 8o andar do edifício.

Esse piso do BC é bem mais comentado por causa dos encontros mensais do Conselho de Política Monetária (Copom), que analisa a conjuntura econômica e define a taxa básica de juros. Separada da sala do Copom por um par de paredes e um corredor de circulação interna, a galeria de arte exibe uma frequência não compatível com o seu patrimônio.

O atual livro de assinaturas, aberto em 3 de março, tem menos de 300 rubricas e revela uma média de três, quatro presenças por dia. O recorde do período se deu na tarde de 27 de junho, uma quinta-feira, quando a coleção foi visitada por uma delegação de 25 russos. Eles estavam na capital para um colóquio sobre direitos do consumidor.


Do outro lado da rua, ali mesmo no Setor Bancário Sul, a Caixa Cultural expõe o acervo da Caixa Econômica Federal de uma maneira bem mais dinâmica, trabalhando com curadores contratados para mostras específicas - além de abrigar exposições de arte, shows musicais e peças de teatro. Não muito longe de lá, no Setor de Clubes Sul, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) se tornou um polo de arte e turismo na cidade. A comparação desses dois casos com a galeria do Banco Central é inevitável.

O Banco do Brasil e a Caixa Econômica perceberam como projetos culturais podem gerar marketing positivo e atrair a atenção da sociedade. Diferentemente do Banco Central, uma autarquia que funciona como instância política e reguladora, essas duas instituições públicas estão no mercado de capitais e precisam fazer frente aos concorrentes da iniciativa privada na disputa por correntistas e acionistas.

Apesar de o BC ter em suas mãos um patrimônio de interesse público, que deve estar acessível ao cidadão, a tarefa de expô-lo nem sempre foi compreendida pelas diretorias que por ali passaram. Durante as reformas do edifício-sede, ao longo da última década, a galeria esteve fechada por anos e parte do acervo rodou por outros pontos do prédio.

Sua reabertura, em 2006, foi acelerada por iniciativa do então presidente, Henrique Meirelles. Em seguida, o BC promoveu a reforma de painéis e telas de Portinari. Foi quando o espaço viveu um pico de divulgação e de interesse dos amantes da arte. Nesse mesmo período, recebia visitas monitoradas de escolas do DF. Por contenção de gastos, hoje o projeto didático foi deixado de lado.

Essa iniciativa deveria ser logo retomada, sugere Marcelo Mari, professor do Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Ele chama atenção para a importância histórica dos autores que estão na mostra, especialmente Ismael Nery, Aldo Bonadei e Orlando Teruz, menos difundidos que o trio Di Cavalcanti, Tarsila e Portinari. “Esta é uma coleção rara no Brasil, e única em Brasília”, atesta o especialista.

O conjunto de obras citado pelo professor cresceu rapidamente nas décadas de 70 e 80, como um efeito colateral da crise financeira que o país atravessava. A maior parte das 554 peças chegou ao BC por contribuição nada espontânea de seus antigos proprietários. Trata-se de objetos recolhidos após processos de penhora e falência.

No caso da mostra Vanguarda Modernista, 49 das telas em exibição eram da Galeria Collectio, de São Paulo. As exceções são os trabalhos de Candido Portinari. Todos eles pertenciam a Assis Chateaubriand e foram passados adiante quando os Diários Associados enfrentaram dificuldades financeiras.

“Era uma situação comum naquela época”, explica Marcelo Mari. “Houve uma bolha no mercado de artes, que se tornou uma alternativa de investimento na primeira metade dos anos 70. Muitos desses negociantes não sobreviveram à crise.”

Desde aquele momento, a coleção do BC está congelada. As normas jurídicas mudaram em trinta anos, e os processos de falência não conduzem mais os bens expropriados para lá. “O fato de essas obras estarem aqui expostas, dentro de uma instituição federal, diz muito sobre o processo histórico e econômico que nosso país atravessou nessas décadas”, afirma Telma Cristina Soares Ceolin, chefe do Museu de Valores e responsável pelo acervo de arte. Resta torcer para que essas joias artísticas não fiquem escondidas do público. 

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